Curta Paranagua 2024

Vamos Fazer um Brinde

O novo Cinema Novo

Por Fabricio Duque

Vamos Fazer um Brinde

Não há mais como negar. O Cinema Novo sempre encontra uma maneira de retornar. Modernizado na imagem e na forma condutora de seus temas universais, ainda que reformulados pelas urgentes questões morais dos indivíduos pertencentes à sociedade nossa de cada dia. A máxima do movimento cinematográfico de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” é o combustível inflamado e estimulante ao cineasta Cavi Borges, especialmente pela necessidade de libertar a forma do cinema de um iminente “ataque” à padronização das obras. Cada vez se faz mais filmes para a satisfação do outro, muitas vezes até por algoritmos do “sucesso”, que preveem o “resultado perfeito”, e, assim, é esquecido que na verdade toda arte representa uma impressão subjetiva e sentimentalmente pessoal de todo e qualquer realizador que decide se aventurar pelo universo da sétima arte.

Sim, o diretor carioca e multitarefa aproveita-se inteiramente do momento em que vive para se reinventar e apresentar um olhar diferenciado. Seus filmes, de baixíssimo orçamento acontecem pela força-garra da união, quase como um cinema guerrilha, que foca majoritariamente no conceito. É o tema que importa. A ideia. Em “Vamos Fazer Um Brinde” (2011), Cavi ao lado da estreante diretora Sabrina Rosa, que também escreveu o roteiro (baseado em um texto seu para teatro), constróem um filme terapia de cinema direto, de improviso-hesitação da própria vida por histórias de superação e luta em uma noite de Réveillon, data mais que simbólica para resolver as pendências do passado e para começar o ano zerado.

Aqui, com fotografia de Daniel Ribeiro e Vinícius Brum, o confronto funciona como intervenção, tudo pela amizade de próximos, que mesmo diferentes e idiossincráticos em seus comportamentos existencialistas, enaltecem e forçam o carinho-cuidado da auto-transformação. De metamorfosear estágios. Com bebedeiras, conversas, dramas estimulados, Xuxa, Paquitos, Thundercats, He-Man, She-Ra e “Esqueleto sarado”. “Vamos Fazer Um Brinde” é para brindar a vida. A autoanálise de permissão a mudanças. De controlar a possessão com o marido. De aceitar que o amor não bate. De que talvez há sempre mais uma chance de retomar o relacionamento. De que homofóbicos não passarão. De que mães também “sentem tesão”. Da insegurança em dizer sim ao pedido de casamento. Como foi dito, é a própria vida como ela é. Em seus dramas intensificados especialmente por aqueles que sentem a dor.

A narrativa de “Vamos Fazer Um Brinde”, exibido na 35a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, desenvolve-se pelas memórias afetivas, ora intercaladas por imagens-arquivos (ou uma personificação imagética das lembranças – pelas “sujeirinhas” a la uma película secreta e escondida tempo demais). Busca-se o levante das questões sociais e feministas, de mulheres que ajudam mulheres (incluindo um homem com a “alma feminina”). É também de protagonismo integralmente negro, que unifica e integra cores (sem problematizar raças e preconceitos). Assim, o que assistimos é a humanização da vida com sua plena normalização e não com a obrigação de inclusão.

Esse improviso pode parecer fake em alguns momentos, e é, mas se pararmos para pensar há uma crível representatividade, visto que em família a sensação de alegria adquire ares quase infantis, de intensidade desmedida e ilógica, como se esquecêssemos da realidade e importássemos a nostalgia de lembranças projetadas (só que adormecidas em nosso subconsciente). Trocando em miúdos, nós voltamos a ser o que éramos quando crianças, quando não havia a maturidade da responsabilidade do futuro.

“Vamos Fazer Um Brinde”, com som direto de Ives Rosenfeld (de “Aspirantes”), é também sentimental, se percebermos seus detalhes: o quadro com fotos e o cartaz da exposição de Man Ray no Centro Cultural Borges, em Buenos Aires, Argentina (que pode ser uma referência ao sobrenome de nosso realizador deste filme, montado por Pedro Rossi). É o reencontro de amigos e histórias. Em um único cenário. De dentro de casa. Como se estivessem aprisionados em uma experiência que segue tradições das festas de final de ano. Quase como superstições de que se não usarem branco e/ou amarelo a vida “desandará”.

Assim, cada um deles “enfrenta” os medos no dia trinta e um para “acordar” renovado no dia primeiro, celebrando o “peso do passado”. Os papéis foram encarnados por suas atrizes Cíntia Rosa, Roberta Rodrigues, Roberta Santiago, Keruse Bongiolo, Juliana Alves, Ana Miranda e ator Fabrício Santiago.

3 Nota do Crítico 5 1

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