Direção: Silvio Tendler
Roteiro: Silvio Tendler
Construção do Roteiro: André Carvalheira, Carla Siqueira, Arnaldo Carrilho, Tânia Fusco, Carlos Walter Porto-Gonçalves, Miguel pereira, Angeluccia habert
Narrado por: Amir Haddad, Chico Diaz e Letícia Spiller
Trilha Sonora: Cabruera, Caíque Botkay, BNegão e Marcelo Yuka
Videografismo: Irmãos Vilarouca
Montagem: Bernardo Pimenta
Assistência de montagem: Julia Machado
Produção: Caliban Produções Cinematográficas LTDA
Produção Executiva: Ana Rosa Tendler
Duração: 120 minutos
País: Brasil
Ano: 2010
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM
A opinião
Utopia. País imaginário, criação de Thomas Morus (1480-1535), escritor inglês, onde um governo, organizado da melhor maneira, proporciona ótimas condições de vida a um povo equilibrado e feliz. Descrição ou representação de qualquer lugar ou situação ideais onde vigorem normas e/ou instituições políticas altamente aperfeiçoadas.
Barbárie. Ato próprio de bárbaros; barbaridade. Selvageria, crueldade, atrocidade, barbaridade, barbarismo. Conjugação. Diz-se de composto que contém duas ligações duplas separadas por uma ligação simples.
“Não existirão filmes de guerra, enquanto não houver cheiro no cinema”, inicia o novo filme do diretor Silvio Tendler, que retrata e interpreta o mundo pós-segunda guerra mundial e suas transformações; as utopias que nele foram criadas e as barbáries que o pontuaram. Descreve o desmonte das utopias da geração sonhadora de 1968 e analisa a criação de novas utopias neste mundo globalizado.
É um road movie histórico, em 19 anos de trabalho, que percorreu ao todo 15 países: França, Itália, Espanha, Canadá, EUA, Cuba, Vietnã, Israel, Palestina, Argentina, Chile, México, Uruguai, Venezuela e Brasil. Em cada um desses lugares, Tendler documentou os protagonistas e testemunhas da história, os apresentando com seu olhar. Silvio completou 60 anos em 12 de março de 2010.
Orçado em R$ 1 milhão, o longa-metragem conta com a narração de Letícia Spiller, Chico Diaz e Amir Haddad. A trilha sonora, especialmente composta para o filme, é assinada por Caíque Botkay, BNegão, Marcelo Yuka e pelo grupo Cabruêra.
A fotografia é clara, como uma nevoa esbranquiçada que fornece às imagens uma atmosfera nostálgica e de fantasia. Há alguns clichês do nosso tempo: as mesmas fotografias e vídeos de arquivo que pululam repetidamente. Porém não tira o mérito do filme que se comporta como didático, informativo e com um excelente texto narrativo. “Fotografia é uma verdade e o cinema vinte e quatro por vez. O cinema é uma verdade editada”, diz-se.
O diretor entrevistou inúmeros intelectuais, como filósofos, teatrólogos, cineastas, escritores, jornalistas, militantes, historiadores, economistas, além de testemunhas e vítimas desses episódios históricos. Os dramaturgos Amir Haddad, Augusto Boal e Zé Celso Martinez, a economista Dilma Rousseff, o escritor e jornalista Eduardo Galeano, o poeta Ferreira Gullar e o jornalista Franklin Martins (um dos seqüestradores do embaixador) foram alguns dos nomes que concederam ao filme emocionantes depoimentos. Diversas vítimas, testemunhas e sobreviventes também compartilharam suas trajetórias, como a argentina Macarena Gelman e a brasileira nascida em Havana, Naisandy Barret, filhas de desaparecidos políticos, além do estrategista do exército vietnamita, General Giap.
“Colhemos aquilo que queremos esquecer”, diz-se e complementa “Memória é um espaço de luta política”. Alguns momentos são dramáticos, tendendo ao sensacionalismo e apelando por imagens com a intenção de chocar.
As referencias de filmes são extensas. “A mãe” (1926), de Vsevolod Pudovkin; “A greve” (1925), de Sergei Eisenstein; “Roma, Cidade Aberta”, de Roberto Rosselini; “Os inconfidentes” (1972), de Joaquim Pedro de Andrade; “Os condenados da Guerra” (1961); “Abatalha de Argel” (1966) e tantos outros. O longa busca entender os sonhos lisérgicos de Caio Fernando Abreu, a revolução sexual, os quereres dos judeus. “Utopia para os palestinos significa vergonha”, diz-se. Cineastas de vários países também contribuíram com suas visões, como Denys Arcand (Canadá) com “Invasões Bárbaras”, Amos Gitai (Israel) com “Kedma”, Gillo Pontecorvo (Itália), Fernando Solanas (Argentina), Hugo Arévalo (Chile), Marceline Loridan (França), Mohamed Alatar (Palestina), Shin Pei (Japão), além dos cineastas brasileiros Cacá Diegues, Sérgio Santeiro e Marlene França. “Loteareamos as prisões com nosso orgulho” e “Consumo, o motor da história”, espalha frases de efeito bem colocadas e dentro do contexto apresentado.
“Utopia pode ser um desastre”, sobre lideres que acreditam e impõem suas regras e pretendem que os seus seguidores vistam o “numero certo roupa em questão”. “Se não couber, corta-lhe o braço”, diz-se.
Os personagens de uma comunidade são espelhos de uma nação. “Nenhuma geração vive sem utopia”, diz Dilma, pré candidata a Presidência deste ano, mas vinculada como ativista política da época. “Não devemos esperar. O verdadeiro cidadão é que transforma a sociedade”. Os modelos revolucionários são postos a prova, como a mulher heróica, o paradigma de Cuba, Vietnã, China, o lider popular Mao Tse Tung. “Os jovens de hoje não estão menos revolucionários. Mas as suas lutas são fragmentadas que não se dão conta”, diz-se uma das idéias de um estrategista militar.
O formato do documentário parece feito para televisão, com sua base linear e explicativa. Há Fidel Castro, Lula, Leonardo Boff, Walter Benjamim. “Nós achamos que o caminho seguido era o vitorioso”. Há o movimento Black People, frases como “a utopia sem sangrar é a melhor”, Stalin, Maio de 68 na França, protestos em Praga, Berlim e sua utopia anarquista, São Francisco, Chicago. “Mesmos desejos, sem planejamento (passionais). Orgasmos da historia”, diz-se. Há a luta pela não censura, o AI-5. “Não dava para fazer o filme que a gente queria”, diz Caca Diegues. “Isso aqui não é Cuba”, diz Ferreira Gullar sobre a ingenuidade da nossa guerrilha.
“Confira tudo que conspira, que respira”, diz-se. O filme questiona por depoentes a “Lei da Anistia”, que lutam para que os torturadores sejam punidos, criando a polêmica com a mudança da nova lei, aprovada neste ano. Há existencialismo de Sartre, Jorge Amado e Zélia Gatai. Há a luta pela reforma agrária. Há um Che Guerrava lutador e utópico. Há Martin Luther King. Criticam a frase “Temos que combatê-los para salvarmos”, sobre o Vietnã. Pela primeira vez uma guerra é transmitida pela televisão e une a juventude contra o fascismo. Há Pablo Neruda e seu “Salitre”. Utopia e barbárie, uma estranha harmonia.
Há tudo isso e muito mais. É um excelente registro histórico. Aborda as varias fases até chegar a luta do Oriente Médio. Vale muito a pena ser visto. Recomendo.
Silvio Tendler (nascido em 1950) é um renomado documentarista brasileiro. Conhecido como “o cineasta dos vencidos” ou “o cineasta dos sonhos interrompidos” por abordar em seus filmes personalidades como Jango, JK, Carlos Marighella, entre outros, Silvio é, antes de tudo, um humanista, que já produziu cerca de 40 filmes, entre curtas, médias e longas-metragens. Em 1981 fundou a Caliban Produções Cinematograficas Ltda., produtora direcionada para biografias históricas de cunho social.
Seus filmes são resgates da memória brasileira e inspiram seus espectadores a reflexão: sobre os rumos do Brasil, da América Latina e do mundo em desenvolvimento.
É dono de um jeito muito peculiar de fazer cinema. Entre a gestação de uma idéia, sua execução e finalização, muitas vezes contam-se décadas. Tem sempre vários projetos e vai tocando todos ao mesmo tempo placidamente.
Tendler é detentor das três maiores bilheterias de documentários na história do cinema brasileiro: “O Mundo Mágico dos Trapalhões” (1 milhão e 800 mil espectadores), “Jango” (1 milhão de espectadores) e “Anos JK” (800 mil espectadores).
Seus filmes “Jango” e “Anos JK”, apesar de falarem sobre o golpe militar de 1964 e a democracia, foram lançados ainda em plena ditadura militar, em 1984 e 1980 respectivamente. A partir de então, continuou produzindo uma série de documentários que conquistaram diversos prêmios de público e crítica, divulgando a cultura e a história brasileira para o resto do mundo.
Seu filme mais recente, “Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá”, ganhou o Prêmio de Melhor Filme do Júri Popular na última edição do Festival de Brasília.
Em 2005 recebeu o Prêmio Salvador Allende no Festival de Trieste, Itália, pelo conjunto da obra. Em 2008, foi homenageado no X Festival de Cinema Brasileiro em Paris, com uma retrospectiva de seus filmes. Ainda neste ano, foi condecorado com a Medalha Tiradentes, da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, por relevantes serviços prestados à causa pública do Estado.
Filmografia
1980 – Os Anos JK – Uma trajetória política
1981 – O Mundo Mágico dos Trapalhões
1984 – Jango
1998 – Castro Alves – Retrato Falado do Poeta
2002 – Glauber o Filme – Labirinto do Brasil
2007 – Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá
Medias
1986 – Rondônia – Viagem à Terra Prometida
1987 – Memória do Aço
1988 – Aprender, Ensinar e Transformar
1988 – Caçadores de Alma
1988 – Chega de Saudades
1994 – Josué de Castro – Cidadão do Mundo
1996 – Quilombo
2001 – Marighella – Retrato Falado do Guerrilheiro
2002 – JK – O Menino que Sonhou um País
2003 – Oswaldo Cruz o Médico do Brasil
2003 – Paulo Carneiro – Espelho da Memória
2004 – Milton Santos – Por Uma Outra Globalização
2005 – Memória e História em Utopia e Barbárie
Curtas
1998 – Cidade Cidadã
2000 – Bósnia
2000 – Dr. Getúlio – Últimos Momentos
2004 – As Redes que a Unesco Tece
2004 – Olhar de Castro Maya
1 Comentário para "Crítica: Utopia e Barbárie"
É uma obra de arte indiscutível. Um trabalho meticuloso e extraordinário.
Assisti no Ponto Cine com debate com o diretor após exibição. Ele comentou que trabalha nesse filme há 30 anos.
É a realização de uma vida certamente.