Uma Noite em Miami
Um casual encontro
Por Vitor Velloso
Amazon Prime Video
“Uma noite em Miami” de Regina King, em exibição pela Amazon Prime Video, é mais um integrante da lista de indicados ao Globo de Ouro. A obra busca um retrato multifacetado da luta política contra o racismo predominante na sociedade norte-americana, em figuras diversas como Malcom X (Kingsley Ben-Adir), Cassius Clay posteriormente Muhammad Ali (Eli Goree), Jim Brown (Aldis Hodge) e Sam Cooke (Leslie Odom Jr.).
Busca retratar o histórico encontro em uma noite de Miami, em que o medo e a discussão de uma verdadeira articulação política surge como o eixo dramático que norteia o filme. Regina King opta por uma abordagem menos inflamada das personalidades aproximando um didatismo mais comercial desse retrato múltiplo de uma mesma luta. Contorna sua frente narrativa com humor e oralidade, mas tende a tornar a narrativa expositiva sempre que encontra espaço. O que faz “Uma noite em Miami” se aproximar imediatamente da indústria. Existe ali um debate sobre as figuras de poder que buscam a adoração e o respeito desse amplo mercado midiático, majoritariamente branco. Apesar do debate possuir duas frentes distintas que se complementam em perspectivas não-antagônicas, abre uma outra vertente possível, sua forma forma de exibição. Esse atravessamento espaço-temporal encontra suporte de projeção na Amazon. Empresa que “apoia” o movimento Black Lives Matter e leva consigo o maior bilionário do planeta, a mais-valia mandando um abraço, o imperialismo disfarçado de globalização, os dólares se amontoando em capital internacional e nacional.
A discussão interna na obra é profícua e um debate em torno da plataforma de utilização para veiculação do filme também. De qualquer maneira, a veemência constante do ato de poder diante das autoridades ali presente, é uma cobrança que segue nos tempos contemporâneos e deve ser feita com poucas ressalvas.
“Uma noite em Miami” assume uma forma que permita transitar entre a representação de um espaço-tempo e a resolução de um imbróglio na vida de Malcom X. Existem alguns elementos que refletem uma certa artificialidade, nos figurinos, na maquiagem, na direção de arte etc. Intencional ou não, isso reforça uma grandeza do encontro, tendo como perspectiva essa questão característica de cada um dos personagens e seus modos de enxergar e agir diante do mundo norte-americano. A fotografia não se curva às plasticidade febris da indústria, mas não se distancia tanto da fórmula. Tudo se encontra em um lugar de conforto que se mantém a partir da janela de um hotel. Essa suposta simplicidade, desloca o centro da narrativa para uma fragmentação na montagem, onde os personagens transitam. É onde o espectador perde o interesse na resolução de algumas questões, pois a quebra constante nas discussões faz o projeto se organizar para retomar uma articulação, formal inclusive.
Aqui a película encontra uma perda de ritmo, mas que o engajamento do público, se torna menos acentuada. Assim, a experiência é ditada a partir das próprias discussões e a montagem busca ser dinâmica para compreender as mudanças no tom da narrativa. Para que o barato todo funciona de maneira mais fluida, as interpretações poderiam encontrar um espaço menos caricato, pois a “artificialidade” citada anteriormente é uma faca de dois gumes e acaba fragilizado a reta final. Nos últimos momentos de “Uma noite em Miami” o eixos se perdem e existe uma confusão generalizada, desde a montagem até a direção de Regina King, que apesar de consciente a maior parte do tempo, não encontra muita personalidade. O longa não erra gravemente com constância, mas sua dificuldade em encantar traz consigo um sentimento de frustração que pode ser agudo em algumas experiências.
A sensação geral é de um grande potencial de narrativa, com personagens históricos, que se torna um entrave e se joga no limbo do esquecimento dos lançamentos em streaming nesse início de ano. Talvez a indicação ao Globo de Ouro atraia alguns espectadores e assim espero, mas arrancar elogios fervorosos poderá ser uma tarefa mais difícil, aliás, a sobrevivência do filme após a sessão é excessivamente curta, se tivermos em mente que a discussão é pautada por personalidades deste calibre.