Uma Noite em Haifa
Haifa: onde liberdades pontuais coexistem
Por Paula Hong
Em “Uma Noite em Haifa”, o aclamado diretor israelense Amos Gitai concentra, num bar/galeria da cidade de Haifa — conhecida por simbolizar a coexistência “pacífica” entre judeus e árabes — micro-encontros que carregam discussões e desentendimentos sem soluções, cuja ebulição reflete, em parte, os longevos conflitos políticos entre Israel e Palestina, e demais desdobramentos que alcançam as esferas sociais entre esses dois grupos na contemporaneidade. À imagem da situação política que permeia os dois países, o filme reúne histórias que se convergem num espaço onde as relações de poder estão dadas e, por isso, somos apresentados a personagens que dão vida às formas de relação com as consequências advindas dela.
Os créditos do filme, em hebraico, árabe e no alfabeto ocidental, são as primeiras pistas que anunciam essas relações retratadas. Ao longo da noite, presenciamos conversas ácidas, amorosas, conflituosas e desconcertantes, na grande maioria em hebraico, mas as breves canções em árabe, mesmo na curta duração, prendem a nossa atenção. Na fluidez das convivências centralizadas no bar, localizado de frente para um trilho de trem, “Uma Noite em Haifa” é uma teia de relações-núcleos desenhada por um personagem após o outro. Eles tecem opiniões sobre a questão árabe-judaica, mas também contam histórias revertidas por camadas de culpa, trauma e questionamentos sobre o que os mantêm atrelados. Alguns personagens, como o fotógrafo Gil (Tsahi Halevi) e Laila (Maria Zreik), são acompanhados o filme todo. Outros fazem breve aparição e, pelas histórias que contam, são afunilados pela capacidade de nos cativar, deixando a impressão de que mereciam mais tempo em tela.
O bar é o território que tenta isolar os personagens das violências desencadeadas pelos conflitos políticos entre Israel e Palestina. A primeira cena exemplifica muito bem isso: Gil, ao chegar no estacionamento do bar, é agredido. Laila o ajuda. Não demora muito para aprendermos que eles têm um caso. Ela encabeça uma exposição de suas fotografias que pode ajudá-la a ir para os Estados Unidos, onde o sucesso poderia ser mais fértil. Tanto Gil quanto Laila são duas fortes representações de que, na verdade, a coexistência é falsamente pacífica e suas existências, expostas nas fotografias de Gil, tampouco celebradas.
O local é também onde os personagens, através de diálogos carregados de discursos prontos e pouco naturais, estão confortáveis para colocar para fora aquilo que normalmente não falariam — ali descarregam opiniões afiadas, frustrações, confissões e conselhos que sustentam as causalidades fragmentadas dentro daquele espaço. Fora dali, há insegurança; dentro, eles se sentem livres o bastante para expôr tudo o que carregam dentro de si mesmos. Durante o filme, as intervenções sonoras do trem que passa sob os trilhos alcançam a acústica do bar. Elas furam a crisálida que reverte as micro-relações fragmentadas, simbolizando que suas existências asseguradas pela aparente pacificidade podem sofrer interferências externas.
Por vezes, o bar parece reforçar os blocos de grupos que naturalmente se formam na sociedade, como uma necessidade de proteção desenvolvida dentro desses grupos. Como exemplo, a câmera acompanha um casal gay que também não fica de fora da possibilidade de sofrer violências não somente pela sexualidade, mas também por não pertencerem ao mesmo grupo étnico. Assim como outros personagens, o casal navega e transita pela densa atmosfera que os pressiona a tomarem decisões que influenciam suas vidas. No entanto, o diretor parece retratar o relacionamento entre os dois como argumentação de uma falsa diversidade. Envoltos por drag queens e travestis — diferentemente do conjunto construído ao longo do filme, as cenas em que eles aparecem parecem estar cimentadas em blocos —, o tempo desses personagens em tela dura tanto quanto um piscar de olhos, e pouco influenciam na discussão levantada ao longo da obra.
Embora “Uma Noite em Haifa” seja colocado como um filme que acompanha cinco mulheres — Laila (Maria Zreik), Khawla (Khawla Ibraheem), Naama (Preis Naama), Bahira (Bahira Ablassia) e Roberta (Clara Khoury) — a fluidez não-linearidade dos encontros não permite a distinção da proposta. O filme pouco contorna a questão de gênero, exceto por cenas em que os rótulos de seus relacionamentos são embaçados pelos desejos que as colocam em lugares de possível hostilidade e represálias. Essa lacuna no roteiro se reflete no filme, privilegiando os personagens masculinos. Elas resistem com o que têm à disposição, muitas vezes às escondidas.
Por fim, o cenário minimalista — muito presente em seus filmes — é captado pelos longos movimentos de câmera que mantêm uma transitoriedade capaz de não demarcar blocos de histórias. Ao contrário da fluidez dos movimentos, os diálogos em “Uma Noite em Haifa” são um tanto quanto aleatórios, pesados, confusos, teatrais e não abrem muito espaço para subtextos de fácil assimilação. Mesmo que o arco de nenhum personagem se complete, o filme propõe suscitar reflexões a respeito dessas coexistências fragmentadas ao longo de uma noite, procurando dar conta de atrelar o contexto sócio-político, religioso e multiétnico que permeia suas vidas às individualidades de suas vivências, mostrando a complexidade imbricada nas relações sociais que podem ou não resistir àquela noite. No entanto, é notório que a superficialidade dos discursos seja reforçada pela indecisão de qual história acompanhar.
1 Comentário para "Uma Noite em Haifa"
Vamos combinar – e concordar – o filme é ruim demais. Diálogos, inacreditavelmente, sem nenhum sentido, parecem personagens desprovidas de raciocínio. Elas entram em cena como se estivessem escondidas e, de repente, são convocadas a entrarem em ação. Isso não é cinema.