Uma Noite em 67
Beatles tupiniquins e tropykalistas
Por Fabricio Duque
Final do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record. Nomes fundamentais da MPB se reúnem no mesmo palco para competir entre si com canções que se tornariam emblemáticas, mas que naquele momento eram inéditas. Entre os finalistas, estavam Chico Buarque e MPB 4, com Roda Viva; Caetano Veloso, com Alegria, Alegria; Gilberto Gil e os Mutantes, com Domingo no Parque; Roberto Carlos, com Maria, Carnaval e Cinzas; Edu Lobo, com Ponteio e Sérgio Ricardo, com Beto Bom de Bola. O documentário mostra os elementos que transformaram aquela noite em um evento único: o clímax da produção musical dos anos 60 no Brasil. Os festivais de música eram passionais. O público aplaudia vaiava cruelmente os artistas e suas musicas. “A vaia chegou mais perto da resposta”, diz-se. Sergio Cabral, pai, dizia que atacavam ovos também. Era um ato político musical. A catarse que o povo possuía para extravasar a indignação e a raiva contida por limitações ditatoriais.
“Uma Noite em 67” apresenta o passado e o presente. O passado em preto-e-branco veicula imagens da noite de 21 de outubro de 1967, com entrevistas a artistas. Já o presente confronto e acrescenta informações destes mesmos artistas, suas visões e mudanças de perfil. Há o momento mais notório, por ser polêmico e famoso, que Sergio Ricardo, que competiu no festival com Beto Bom de Bola, pedia calma da platéia para cantar. “Só um minutinho. Vocês são pessoas inteligentes. Estão vaiando a si mesmos”, não conseguia cantar devido a uma quantidade infinita de vaias. “Peço um pouco de lucidez para que vocês entendam o que vou cantar”, continua e não conseguia. Ele disse “Vocês venceram”, saindo, quebrou o violão e jogou os pedaços a platéia. Intercala para o presente com o depoimento de Sergio. “Foi extemporâneo, descontrolado. Mas não me arrependo. Hoje não atiraria, até porque toco piano”, diz. “Era como um animal acuado. Um público que virou personagem. Vaia como elemento dentro do contexto que cabia essa resposta”, dizia-se.
Os depoimentos com as historias, engraçadas e divertidas, seguram o filme e o deixa sem censura. Como se tudo que foi proibido à época viesse a tona para ser dito. As perguntas nas entrevistas de Cidinha Campos aos artistas do evento soavam clichês, obvias e fúteis. Assim era a época. Não se podia falar sobre política. A musica era mascarada. Denunciava sutilmente. Muito sutilmente. Havia Roberto Carlos respondendo mais um clichê. “Vou encarar o júri como sempre encaro tudo”, dizia e complementa “Eu cantava outras musicas fora da Jovem Garda. Chet Baker, por exemplo”. A sua musica venceu o quinto lugar cantando “Maria, Carnaval e cinzas”, um samba, diferente do seu estilo.
O publico expressava mesmo à vontade. Era como os shows do “Beatles”. Gritaria, choradeira. Eles cantavam juntos, colocavam toda a emoção. Como eu disse: era a catarse no seu grau máximo. “A rivalidade era estimulada pelo Record”, dizia Nelson Motta. “Por que não poderia um musica jovem e brasileira?”, decorre sobre o uso da guitarra elétrica, com muitas pessoas contrarias a essa idéia, como símbolo do imperialismo americano. Houve uma marcha contra a guitarra elétrica nas musicas. “Hoje, isso é idiota”, constata-se. “Fui pela Elis (Regina). Cada um com a sua visão. Estimular competições benignas”, Gilberto Gil tentando defender o seu ponto de vista e permanecendo em cima do muro. Caetano Veloso e Nara Leão eram contras. “Era uma decisão política colocar a guitarra elétrica”, dizia Caetano.
“Uma Noite em 67” ambienta fielmente uma época. Mergulha na nostalgia. Mesmo quem nunca viveu aquilo sente saudade. Imagine quem vivenciou? Com uma faixa da Fatos e Fotos cobrindo o evento, mostra Caetano cantando “Alegria, Alegria”, musica que venceu o quarto lugar. “Carisma de Caetano”, diz-se. “Chico Buarque conseguiu se libertar da música “A Banda””. Eu não consigo me libertar dessa. Era algo moderno à época, mas era uma simples marchinha de Lisboa”, disse Caetano. “É uma falsa simplicidade tocar essa musica”, diz o diretor do filme quando Caetano toca a musica nos dias atuais. “Os baianos estão além dos cariocas”, dizia o baiano. Com uma camisa role e um paletó xadrez (que virou a sua marca naquela época), Caetano encanta. “Você pensa na alegria muito melhor quando se é jovem”, Caetano divaga estando com 67 anos.
As perguntas idiotas e vazias recebem respostas sarcásticas. “A vida de mocinho é muito dura”, diz Chico Buarque que tenta sem sucesso lembrar a letra da música Roda-viva. “Impacto. Tinha de conquistar o publico”, dizia-se. Há a possibilidade de conhecer qual era aquele publico, o que vestiam, como se comportavam, como falavam, como expressava as emoções. O terceiro lugar foi para “Roda-viva”, Chico Buarque com MPB-4. “Roda-viva é a colocação total do Chico. A melhor coisa dele. Melhor que “Quem te viu, quem te vê””, dizia-se em 1967. “Não penso em historias velhas”, Chico finaliza.
Então o Tropicalismo começou a aparecer. “Impactos de rock com a musica. Musica local do Nordeste. Revolver o terremoto. Misturar laranja com mamão. Beatles e Luiz Gonzaga”, Gilberto Gil tentava definir o novo gênero. “Domingo no parque” levou o segundo lugar. “Eu estava com medo. A dimensão e a agonia eram semelhantes à sensação de quando fui preso. Era pavor”, dizia Gilberto Gil hoje sobre a trava de cantar a musica vice com “Os Mutantes”. “A minha musica é OM!. As palavras são muito difíceis”, finaliza Gilberto.
“Fui com uma vontade (sobre a musica utilizar o elétrico). A estética venceu minhas velhas contradições”, dizia Sergio Cabral que estava no júri. As definições e frases são os pontos altos do filme. “Pop é aquilo que é”, quando tenta e não consegue definir. “A gente chora e cai o cílio”, outra pérola. Edu Lobo cantou “O Ponteiro”, junto com Marilia Medalha e venceu o 3o Festival. “Era uma musica que misturava política, era popular e tinha a letra do Capinam”, dizia-se sobre a musica. “Você vira um cavalo”, Edu diz sobre as pessoas que apostavam dinheiro nas musicas. “Não vou dizer que não gosto de sucesso, gosto sim, mas aquilo era demais. Precisei ficar longe por um tempo”, finaliza.
“Uma Noite em 67” termina seco com a cortina descendo. É uma experiência única. Rever uma época tão conturbada e tão intensa. Vale muito a pena assistir. Recomendo. “O objetivo foi passar a experiência do que foi aquela noite. Nos esforçamos para fazer com que o filme rodasse em torno das musicas e gerasse emoção”, explica o diretor Renato Terra. O filme conta apenas o que aconteceu na noite da final do Festival que durava um mês inteiro com 36 canções. “Foi uma noite tão rica que talvez não caiba num filme só”, diz Artur Xexeo do jornal “O Globo”. Filme de abertura (São Paulo) da 15ª edição do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários.
1 Comentário para "Uma Noite em 67"
Curti muito esse filme. Acho que o ponto mais alto é o fato dele conseguir transportar o público pra aquela noite, pra dentro do teatro onde acontecia o show.
Quando assisti, o diretor disse que teve muita sorte com os entrevistados, pois todos estavam muito abertos, muito à vontade pra falar sobre o episódio.
A grande sorte foi também contar com uma equipe super competente do João Moreira Salles, que abraçou o projeto.
É uma experiêcia única mesmo e acima de tudo um ótimo exemplo de documentário nacional.