Uma Mulher Contra um País
Uma tradução que diz tudo
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
“Uma Mulher Contra um País” não difere dos últimos lançamentos do catálogo do Cinema Virtual e reforça o caráter previsível de um serviço de streaming que repete semana após semana a mesma fórmula. O filme de Christiaan Olwagen segue uma cartilha importante para circular internacionalmente com alguma intensidade, possui o eixo narrativo nos brancos presentes na narrativa. E claro, uma incessante repetição de sofrimentos que não pode deixar de faltar para mostrar “como o mundo é injusto”.
Baseado no livro de Elsa Joubert, “The Long Journey of Poppie Nongena”, o longa conta a história de Poppie Nongena (Clementine Mosimane) que luta por seus direitos após seu marido ficar doente e ela ser considerada ilegal no próprio país. Apesar da trama seguir os passos da protagonista, a tônica é mostrar como algumas pessoas brancas estavam ao lado dos negros durante o período do apartheid. Ou seja, a velha temática da reconciliação que chegou ainda há pouco na mesma plataforma de streaming. Infelizmente, existe uma centralização nesses atos de bondade, que apenas evocam uma certa moral da caridade, uma fórmula que padroniza essas imagens em recortes breves. O amparo final que divide os abraços entre a família branca e Poppie se encerra em sua manifestação vista pelo retrovisor da polícia: ela segue resistindo.
Olwagen não consegue se desvencilhar de certas amarras que mantém “Uma Mulher Contra um País” nesse estado dúbio. Presenciamos sua luta, mas não a vitória, nenhum tipo de respiro. É um filme que está interessado na degradação da situação e no fetiche que isso gera a partir da caridade do espectador. A oferta de um contexto que seja capaz de oferecer ao público uma consciência totalizante da verdadeira situação de Poppie, não existe, o que acaba dando lugar para uma série de vácuos ineficazes de um drama confuso, pouco didático e tampouco dialético. É uma exposição que se limita ao referencial prosaico desse jogo político que pretende apresentar. Existe um abismo entre as intenções e a execução em si, uma espécie de reforma do arquétipo a fim de enquadrar essa trajetória em um modelo que fosse palatável ao grande público. Mas essa esquemática apenas fragiliza uma história que não consegue se encontrar e perde um precioso tempo em cenas que pouco acrescentam.
Além disso, o diretor parece mais entusiasmado com os movimentos internos da cena que o caráter discursivo das mesmas. Durante o debate geracional que filma, a inserção da objetiva entre as oposições, parece querer elevar as tensões políticas da África do Sul para um caráter místico que não pode ser compreendido na materialidade, afinal, grande parte de seus esforços estão direcionados em um sentido contrário ao diagnóstico do contexto. A sequência parece uma grande dança argumentativa, o que explica o caráter esteticista de alguns recortes genéricos e aleatórios.
Se o espectador esperava um grande debate em torno do apartheid e uma obra que adaptasse uma perspectiva distinta da personagem Poppie Nongena, vai se frustrar profundamente com o resultado final de “Uma Mulher Contra um País”, que parece mais preocupado nessa grande exposição moral como aceno à frentes dominantes, que necessariamente debater o contexto e apresentar uma situação onde a dignidade humana é atravessada por uma instituição que ataca socialmente, politicamente, economicamente, fisicamente um povo inteiro. O maior interesse é sempre essa figura única que é capaz de enfrentar uma ideologia como uma espécie de santificação da luta, um esforço que vem se tornando cada vez mais comum nas produções periféricas, por abordarem a ideologia da grande indústria. E essas obras ganham cada vez mais espaço no mercado cinematográfico brasileiro, que abraça essa padronização como um meio de viabilizar uma série de filmes que procurem idealizar uma utopia do cinema como essa manifestação das superações e resistências, a tradução do título é uma síntese disso. Com isso, o catálogo do Cinema Virtual vem ilustrando bem como esse problema parece longe de ser resolvido.