Uma Carta para Ferdinand
Deambulação pelo tempo
Por Julhia Quadros
“Uma Carta Para Ferdinand”, dirigido por Fábio Cabral e Anderson Dresch, tematiza uma viagem no tempo, protagonizada por Frederico Bruestlein (1835 – 1913), uma personagem histórica, um homem de confiança do Príncipe François Ferdinand, e seu assistente Tonico (Ferrugem). De acordo com o roteiro, eles teriam feito uma viagem astral para averiguar como diversos aspectos da Colônia Dona Francisca se encontrariam no município de Joinville, no século XIX. Além do plano profissional e político, Frederico (Clemente Viscaíno) estaria, também, através desde evento inusitado, revendo questões de sua própria vida amorosa, em que o tempo que lhe sobrara nos séculos não teria sido suficiente para que vivesse o tão desejado romance com a jovem Mela (Cristiana Oliveira), por quem permanecia apaixonado. É interessante e curioso como o filme põe em confronto diversos aspectos cotidianos e costumes referentes a tempos distintos _ boa parte da construção do roteiro, de Anderson Dresch e Fábio Cabral se beneficia deste humor criado pela exposição das duas personagens provenientes de um tempo anterior a situações, eventos e objetos comuns da atualidade. Por exemplo, na sequência da batalha de rap, em que Tonico consegue se adaptar bem ao evento, através de uma fala poética e repleta de rimas ricas.
Um elemento que se torna bastante evidente em “Uma Carta Para Ferdinand” é a reciprocidade da revisão histórica. Ela se dá tanto no presente, em relação ao ideal de consulta, que acontece quando conjecturamos sobre como nossos antepassados e idealizadores de projetos reagiriam ao mundo que se apresenta, é um tema comum e o filme propõe este tipo de revisão, quando Frederico e Tonico observam que houve progresso tecnológico e crescimento urbano, com, porém, um grande prejuízo do meio ambiente. Também, pelo fato de o roteiro seguir a viagem deles, é possível observar o acompanhamento do futuro e da realização dos próprios projetos; ambos vão para o futuro qual Dom Quixote e Sancho Pança, com uma certa irrealidade e crença no desconhecido. Frederico, qual o cavaleiro, parte para o futuro, tendo como motivador inconsciente a aventura e o amor, enquanto seu amigo e assistente, o cômico e atrapalhado Tonico, que o segue em sua viagem de fantasia.
Ao se fazer um filme sobre viagens entre tempos, evocamos uma voz de um tempo para o outro e é interessante através da sobreposição ver o olhar defendido pelo autor. Geralmente, suscitamos épocas que consideramos produtoras de um pensamento interessante para através dela, propor um olhar para o presente. Na obra em questão, vemos um elogio do progresso, a valorização de manifestações culturais atuais, como a batalha de rap ou a representação da praticidade dos telefones celulares, bem como o olhar atento para determinadas personagens, como Sebastião (Severo Cruz), o catador de lixo que resolve ajudá-los em sua busca. Ao mesmo tempo em que, é feita uma crítica ao prejuízo que o crescimento está causando à natureza, como uma forma de reflexão. Isto é bastante interessante, porém algo um pouco problemático é a falta de aprofundamento ou especificação nas personalidades das personagens, em construções que reduzem arquétipos a estereótipos; é comum nos perguntarmos se a reação das personagens a épocas diferentes ocorreria de forma parecida frente a diversos estímulos diferentes. Isto se dá pelo fato de Frederico ter sempre opiniões mais conservadoras acerca da modernidade, Tonico estar sempre na posição de cômico alegre, por exemplo. Além da crítica à destruição do meio ambiente já ser, também, bastante recorrente na atualidade e o filme não fornecer um olhar muito além do superficial.
Em “Uma Carta Para Ferdinand”, a fotografia, de Fábio Cabral, é bastante interessante, com muitos planos médios, com exceção das sequências de deambulação, reforçando o confronto entre as personagens e o mundo que encontram diante delas. O que reforça o olhar individualizado para as personalidades e os discursos, por vezes superficiais. Porém, nas sequências cômicas, como a confusão em que Tonico atribui ao celular a palavra “bagulho” ou a da batalha de rap o enquadramento e a decupagem favorecem a comicidade das cenas, o que pode ser observado em diversos momentos do filme, principalmente em passagens entre a cenas. Em vista do que foi observado, o filme, apesar das questões apresentadas, é um bom registro e uma proposta de olhar para uma época, um estudo sobre o que se quer manter na atualidade e o que se quer erradicar. O trabalho de pesquisa sobre a personalidade de Frederico Bruestlein é bem interessante e, principalmente, a lógica quixotesca de fantasia unida à perspectiva histórica.
Estreia nesta quinta, dia 25 de junho, nas plataformas digitais NOW, OiPlay e VivoPlay.