Curta Paranagua 2024

Um Rifle e Uma Bolsa

Sanções, cidadãos e Estado

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra CineBH 2021

Um Rifle e Uma Bolsa

“Um Rifle e Uma Bolsa”, de Cristina Haneș, Isabella Rinaldi e Arya Rothe, registra a história de Somi e Sukhram um casal de ex-guerrilheiros naxalitas, que se renderam diante da polícia e vêem a repressão continuar da maneira institucionalizada. O projeto político de destruir a resistência revolucionária é como uma veia exposta da atual situação da Índia, por mais que o documentário não coloque o contexto geral em jogo, o que acarreta em um certo isolamento dos personagens diante do grande cenário. Por essa razão, o longa se utiliza dessa segregação social, geográfica e política para traçar um olhar particular das dificuldades vividas pela família.

Os tempos dilatados que mostram o cotidiano ao redor dos personagens, mostra que o interesse para além dos mesmos, é justamente mostrar como a situação é estabelecida por uma miséria planejada pelo Estado. Aqui a situação é clara: o governo pressiona os cidadãos para que abandonem a guerrilha prometendo que os mesmos sairão da ilegalidade, contudo, sanciona todos os direitos dos “rendidos”, extingue qualquer capacidade de reintegração à sociedade e mantém sua presença com palestras que elogiam, junto aos jornalistas e mídias, a “nova postura” dos, agora, cidadãos. Está claro que atitudes como essa não são novas ao redor do globo, mas “Um Rifle e Uma Bolsa” apresenta uma situação de pouca dignidade diante de quem deveria assegurar seu bem-estar, ou pelo menos seus direitos básicos. Toda a situação envolvendo a matrícula do filho é revoltante e não possui explicações que não passem pelo rechaço absoluto dos ex-guerrilheiros.

Apesar da sinopse divulgada, o tal “passado controverso” é debatido diretamente na obra como um momento de tomada de consciência dos personagens, o que poderia ser debatível, são os métodos utilizados pelos naxalitas, algo pouco explorado durante a projeção. Os poucos casos contados em depoimentos, falam da expropriação de terras de latifundiários, direito à posse de terra e luta contra a exploração do trabalho. De toda forma, fica claro para o espectador que o ato de abandonar a guerrilha possui um preço tão alto quanto estar diretamente ligado a ela, só que a perseguição se encontra mais velada, silenciosa e institucionalizada. A produção da Itália, Romênia, Qatar e Índia, possui uma construção que procura os quadros em meio ao contexto que pretendem filmar. A sensação que fica é de uma certa objetificação desse meio, não de maneira direta, mas pelos longos planos que não ajudam a compreendermos a situação social da região, apenas nos mostram o “cotidiano”, como quem faz uma denúncia a partir de uma exposição banal. Visualmente, pode até ter algum mérito nos enquadramentos, porém, o rigor demonstra uma certa necessidade de centralização da imagem e “ressignificação” dos aparatos, personagens e situações que se encontram.

Na maior parte do tempo de projeção, o documentário é absolutamente passivo diante dos acontecimentos, como se apenas observasse a situação. Sua denúncia não está na maneira como a montagem organiza os registros, nem mesmo em depoimentos específicos diante da câmera, já que não há nenhuma interferência de quem está por trás da objetiva. “Um Rifle e Uma Bolsa” acredita que o poder de suas imagens, é a maior denúncia que se pode fazer, quando na verdade, não provoca nenhum tipo de dialética interna que possa criar um conflito de interesses entre o Estado e os ex-guerrilheiros, que não esteja no campo político. O filme acaba sendo rodeado por uma névoa ideológica que não permite expandir esse olhar para a situação de maneira totalizante. Seu recorte é fundamental para entendermos parte dessa situação, ainda que sua falta de presença na construção ao redor da situação acabe pesando drasticamente no resultado final, que soma pouco no entendimento, apenas: expõe.

Não surpreende pelos países envolvidos na produção, mas incomoda por não ampliar o olhar dessa parte, encerrar ali, como quem acredita que o trabalho já está feito.

2 Nota do Crítico 5 1

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