Um Olhar Inquieto: O Cinema de Jorge Bodanzky
Os muitos olhares de um documentarista nato
Por Clarissa Kuschnir
Assistido durante o Festival É Tudo Verdade 2025
“Minha vida inteira, eu me reconheço com uma câmera na mão e em movimento”. Foi com essas ou “quase com essas” palavras que Jorge Bodanzky define sua carreira. E o que vemos nas telas é bem isso, em seu mais novo longa-metragem “Um Olhar Inquieto: O Cinema de Jorge Bodanzky”, que faz sua estreia na mostra competitiva nacional da 30ª edição do Festival É Tudo Verdade. Mas o filme não teria chegado às telas se não fosse pela parceria com a diretora Liliane Maia, que consegue transpor para o expectador um Bodanzky eternamente inquieto e apaixonado pelo que faz, registrando há mais de cinco décadas diversas regiões (com foco no Norte, Nordeste e Centro Oeste) do nosso país. E tudo isso sempre de forma autoral, politizada e com muita liberdade, como ele mesmo diz. Isso é para poucos.
A paixão de Jorge pelos registos começou cedo, quando aos 8 anos ganhou sua primeira câmera fotográfica. E pelos seus primeiros retratos, podemos ver que o menino que anos mais tarde ficou conhecido nacional e internacionalmente pelos longas “Iracema – Uma Transa Amazônica” (um dos meus filmes preferidos de sua cinematografia, e censurado na época, por causa da ditadura), dirigido ao lado de Orlando Senna; e “Terceiro Milênio”, teria um futuro promissor como documentarista. Apesar do ponto de partida deste filme “Um Olhar Inquieto: O Cinema de Jorge Bodanzky” não ser exatamente a carreira do cineasta, o recorte acabou juntando as histórias de uma forma muito coesa, curiosa e instigante de ver.
Tudo começa em 1973, quando Bodanzky estava à serviço da TV Alemã ZDF como cinegrafista para fazer uma reportagem sobre o Projeto Humboldt na Amazonia Brasileira, ao lado do jornalista Karl Brugger. Durante o voo para o local, o piloto falou para ele que iria fazer um desvio de 10 minutos no trajeto para mostrar uma aldeia da tribo Cinta-Larga (totalmente isolada). Foi aí que com a câmera de super 8 nas mãos que Bodanzky registrou o momento, inclusive com os indígenas tentado acertar o aeroplano com arco e flecha e que depois de 50 anos (que ele nem se lembrava), virou um filme, resgatando a sua história e a da tribo. Ou seja, bem dita foi a hora da presença de espírito desse piloto em fazer esse desvio, para que essa história fosse resgatada para os dias de hoje.
A partir desta premissa, “Um Olhar Inquieto: O Cinema de Jorge Bodanzky” vai e vem com imagens da tribo, contando a trajetória de Bodanzky que sempre esteve na estrada ou nos rios, definindo seus filmes não apenas como road movie, mas também como river movie. E as águas têm uma ligação forte com o cineasta que quando jovem (por seus pais terem um casa na beira da represa Guarapiranga em São Paulo), fez com que Jorge se torna-se um velejador. Daí para frente, são tantas histórias para contar, desde seus trabalhos para a TV Alemã (país onde se exilou na época do golpe militar no Brasil, após o fechamento da UNB, onde ele era aluno), com reportagens sobre as ditaduras na América do Sul, mostrando algumas cenas de seus principais e mais conhecidos filmes, como já citados aqui nos parágrafos anteriores, passando pela sua vida pessoal, como os diversos registros feitos sobre sua filha mais velha, enquanto criança, a cineasta Laís Bodanzky no começo dos anos 70, que inclusive muitas vezes servia de modelo para seus experimentos cinematográficos familiares.
Isso sem deixar de citar suas outras duas filhas, nascidas mais tarde, na década de 80. E, “Um Olhar Inquieto: O Cinema de Jorge Bodanzky”, essas histórias são contadas em primeira pessoa pelo cineasta, através de imagens de arquivo e da viagem recente que Bodanzky fez ao norte do Mato Grosso, com o intuito de chegar aos poucos membros que ainda restam da tribo dos Cinta-Larga (que nos últimos anos têm sofrido episódios de conflitos violentos, com os garimpeiros, por conta da exploração ilegal de diamantes), para assim poder mostrar as filmagens, feitas na década de 70.
O documentário “Um Olhar Inquieto: O Cinema de Jorge Bodanzky” é um retrato importante da carreira de Bodanzky, que há anos se dedica a mostrar um Brasil pouco conhecido por grande parte da população, e que aos 82 anos de idade não para de filmar, rendendo-se completamente ao digital, captando imagens o tempo inteiro pelo seu celular. Ou seja, um cineasta nato que só precisa mesmo é de uma câmera na mão, para nossa sorte e de todas as tribos que passa.