Um Divã na Tunísia
Um cinema de aparências
Por Vitor Velloso
Golshifteh Farahani é uma atriz que já mostrou o talento em diversos projetos ao longo da carreira, apesar de ter aparecido com mais evidência para o ocidente em “Paterson”, mas possui uma trajetória de altos e baixos que fica evidente em “Um Divã na Tunísia” de Manele Labidi. A direção francesa explicita a própria problemática presente na narrativa. Os estereótipos se amontoam em representações que expõem uma fragilidade colonialista que precisa realocar o próprio cinema em seus moldes. As investidas humorísticas demonstram uma mais-valia ideológica e cultural um bocado tacanha. O filme de Labidi é explicitamente francês e com pouca dignidade vai atrás de moldes mercadológicos para a consagração de um suposto debate nessa dependência unilateral.
Não à toa, os personagens são no máximo bidimensionais, incluindo a própria protagonista. A inocuidade toma conta e os motivos para saltar para o drama, comédia ou romance, são irrisórios, com cenas verdadeiramente vergonhosas. O plano final do filme é de uma cafonice desmedida. Onde esse barato revela uma presepadas tacanhas, Farahani busca alguma complexidade distinta para a personagem, mas é impedida por um roteiro preguiçoso que não consegue desvencilhar das próprias armadilhas dramáticas. Os numerosos clichês apenas circulam alguns assuntos problemáticos que são tratados de maneira banal. Essa silhueta ideológica fica clara na imagem constante do quadro com a imagem de Freud, sempre revisitado, e endireitado. Se em alguma sequência o filme consegue a graça junto ao público, é onde os policiais relatam uma denúncia fajuta. Mas até no processo há uma bestialização dos tunisianos e uma “mea culpa” francesa.
Esses constantes problemas mancham a imagem de “Um Divã na Tunísia” tornando tudo tão previsível que quando somamos isso aos lastros na montagem, o negócio fica feio. Poucas coisas são funcionais na obra, mas o ritmo deixa a desejar e o espectador passa a ficar desinteressado a cada minuto que passa. Enquanto os problemas de seus pacientes vão surgindo, o imbróglio com o sistema da Tunísia se torna uma desculpa para um entrelaço de figuras do Estado com a consolidação da protagonista no país. Mas o romance gerado a partir disso é pouco útil na estrutura narrativa e os pacientes se tornam objetos para que os personagens se cruzem constantemente. O personagem que é encontrado na sauna feminina é explorado de forma superficial e serve apenas como ponte para a verdadeira proposta “internacional” do filme. Aliás, esses entraves culturais com a mais-valia exposta são resquícios da França na direção e produção do longa.
Por essa razão, enquanto estamos diante da tela em “Um Divã na Tunísia” fica claro que a forma é uma importação para alguns modelos de festivais e distribuições garantidas, aliás trata-se de uma “mea culpa” que é materializada no “vizinho suicida”. O leitor que viu o filme entenderá as aspas. Esse eixo da trama, em particular, revela para o espectador que o diagnóstico precoce esconde parte da materialidade ali contida, mas o faz como uma revelação catártica nesta resolução dramática unilateral. É como um gatilho fácil que poderá tocar o público para uma conexão mais forte com uma proposição que possui fragilidades constantes, sempre buscando sua “sinceridade”. Na verdade, é um subproduto industrial francês, travestido de tunisiano. Porém, ele deve ser vendido pela “língua internacional” (não?) como um “Tunisian Friendly”, com o perdão do desgosto.
Como de costume, o Brasil distribui obras que não teriam tanto espaço nos circuitos de salas de cinema e expande isso para o ambiente digital e “Um Divã na Tunísia” é mais um caso disso. Apesar de “descontraído” e “leve”, o filme é chatíssimo e seu “modus operandi” é essa cisma francesa dos cigarros constantes, diálogos cortados e um romance desleixado, que é uma espécie de estruturalismo pós-Truffaut. Arcaico, centralizador e apoiador de uma mais-valia ideológica e cultural. Brincadeiras à parte, a cena do bafômetro no início do filme é um mero devaneio que pode enganar o espectador que acredita no entretenimento, mas a graça mesmo, ficou pra trás e o tédio tomou conta.
Em algum canto da internet uma pessoa, que não lembro, comentou que “o maior problema do cinema da Tunísia é que ele é mais francês que outra coisa”.