Sinceridade na tela
Por Vitor Velloso
Nunca fui um ávido fã dos quadrinhos de “Turma da Mônica”, nem do universo criado por Maurício de Sousa, pois nunca fui apresentado de maneira integral a obra, sempre li as edições aleatoriamente e nunca me encantei. Mas em 2012, quando foi anunciado que haveria um lançamento de um linha editorial com releituras dos personagens clássicos, fiquei curioso e comprei algumas edições. “Astronauta – Magnetar” de Danilo Beyruth, “Piteco – Ingá” de Shiko e… “Turma da Mônica – Laços” de Vitor e Lu Cafaggi. Além do projeto ser interessantíssimo, por recontextualizar às obras e dar à novos artistas o aval de mexer nos personagens, permitiu que outros olhares realizassem aquilo que Mauricio de Sousa começou. Agora em 2019, vemos a primeira adaptação deste universo sendo exibida nas telonas, surfando às adaptações de quadrinhos recentes.
Dirigido por Daniel Rezende (Bingo: O Rei das Manhãs), o longa vai contar a história do quadrinho escrito e desenhado pelos Cafaggi, onde Floquinho, o cachorro do cebolinha, some e a turma tem que se reunir e resolver o mistério, e claro, resgatar Floquinho. Adaptar a história para o live-action possui algumas dificuldades, a primeira é a noção de linguagem contida nas duas artes, não à toa, mudanças devem ser feitas, sempre. Mas o roteiro de Thiago Dottori é eficiente em compreender as limitações do cinema (em relação a forma dos quadrinhos) e isso se reflete na direção de Daniel, que mantém-se atrelado à uma proposta mais didática e ortodoxa, quase televisiva, para conseguir cativar o público, algo que víamos com menor intensidade em “Bingo:Rei das Manhãs”. A proposta inicial fica bem clara, ser um amontoado de referências nostálgicas ao universo escrito pelo paulista, e o efeito no público era quase instantâneo. A sacada de emular parte das estratégias da Disney, agora com cultura nacional, é bastante viva, pois além de se aproximar mais da audiência, consegue levar um grande número a revisitar a infância, quando lia os quadrinhos da turma da Mônica com frequência religiosa.
Os sentimentos que despertará no público, vale a vida dedicada à conceber o filme e aos personagens que se eternizaram nos periódicos.
Mônica é vivida por Giulia Benite, Cebolinha por Kevin Vechiatto, Magali por Laura Rauseo, Cascão por Gabriel Moreira, Paulo Vilhena faz o Seu Cebola e Monica Iozzi a Dona Luiza. O elenco mirim possui seus momentos, como a maioria dos projetos, é recheado de irregularidades, tendo pontos altos e baixos ao longo da projeção. Paulo e Monica estão desperdiçados, não possuem cinco minutos de tela ao todo, estão aqui para contar pontos de audiência e atrair o público. Mas o ponto alto do longa está na participação especial de Rodrigo Santoro como Louco, um pequeno show, o melhor momento do filme.
Ao adentrar em personagens teremos que assumir uma questão óbvia, mas que foge do convencional, trata-se de um filme para crianças, fora do contexto contemporâneo. Não há um âmbito social tradicional, tudo se passa em um local fora de seu tempo e espaço. Por essa razão algumas questões narrativas podem ser deslocadas da discussão, mas o desenvolvimento dramático dos personagens, não. É onde reside um dos nervos centrais, Cebolinha e Mônica são centro das atenções, cada uma reveza uma metade, enquanto Magali e Cascão viram coadjuvantes de luxo, que nunca possuem desenvolvimento próprio, principalmente Magali, que é reduzida à uma piada de uma nota só “Tenho fome”.
Além de diversos personagens que surgem na trama serem esquecidos rapidamente, com potencial dramático intenso. Mas tudo é justificado pela grande aventura dos protagonistas, que deverão aprender a resolver seus problemas sem os pais. A montagem se mantém no ritmo do entretenimento convencional, não ousa cadenciar o ritmo para além da obviedade industrial. Já Daniel, propõe-se a criar um produto funcional, que adota para si um trabalho de misancene que vai variando entre a TV e o Cinema, mas sempre demonstrando habilidade em manter a coesão em quadro, até quando questões cômicas, presentes nos quadrinhos, surgem na tela. O diretor havia demonstrado tais características no último projeto, porém uma questão se mantém, seu desejo constante de chamar atenção à pirotecnias mirabolantes que realiza na produção. Em “Bingo” tínhamos um plano no hospital, aqui um que mergulha na mata a fim de mostrar a turma se aproximando.
No fim, “Turma da Mônica: Laços” é um retrato sincero de um filme brasileiro que reconhece a cultura nacional como matéria-prima funcional, compreende a nostalgia em sua fórmula e trabalha ela de maneira pragmática, ainda que necessite criar diversas cenas que não adicionam nada à narrativa. Ainda assim, é um longa fundamental neste momento onde a maioria recusa cultura brasileira e abraça a norte-americana.
Obs: A participação de Mauricio de Sousa é genial.