Direção: Sergey Dvortsevoy
Roteiro: Sergey Dvortsevoy, Gennady Ostrovsky
Elenco: Askhat Kuchinchirekov, Samal Yeslyamova, Ondasyn Besikbasov, Tulepbergen Baisakalov, Bereke Turganbayev
Fotografia: Jola Dylewska
Produção: Karl Baumgartner
Distribuidora: Filmes da Mostra
Estúdio: Pallas Film
Duração: 100 minutos
País: Cazaquistão/ Alemanha/ Suíça/ Rússia/ Polônia
Ano: 2008
COTAÇÃO: MUITO BOM
A opinião
Entender o cinema do Cazaquistão requer conhecer um pouco a sua historia. Fundamentalmente asiático, é uma nação transcontinental. Limita-se a norte e oeste com a Rússia, a leste com a China, a sul com o Quirguistão, o Uzbequistão e Turcomenistão e a oeste com o mar Cáspio. Foi um dos países que se tornaram independentes com a dissolução da União Soviética, tendo se declarado independente em 16 de dezembro de 1991, que é explicado no filme por noticias de radio escutadas por uma criança.
Depois de prestar serviço militar na Marinha, o jovem Asa (Askhat Kuchinchirekov) volta às estepes do Cazaquistão, onde sua irmã e o marido pastor vivem como nômades. Entusiasmado, Asa quer começar vida nova e se tornar ele também um pastor. Mas, para isso, precisa primeiro se casar. E a única candidata possível é Tulpan, filha de outra família de pastores. Mas ela não gosta do rapaz porque acha suas orelhas grandes demais. Mesmo desapontado, Asa não desiste e continua sonhando com uma vida que talvez não seja possível naquele lugar.
O longa do diretor estreante Sergey Dvortsevoy busca a simplicidade e o retorno aos princípios básicos do ser humano. Ele contrasta a independência do seu país com a vida dependente nômade. Os elementos apresentados – deserto, camelos, ovelhas – resgatam o estagio pastoril, o interior com suas tendas de pano e tartarugas sendo tratadas como brincadeiras de carrinho das crianças. O ócio e o tédio da existência de uma aldeia dão mais trabalho do que o sentar e esperar. A espera causa a sensação de que o dever de fazer algo precisa acontecer. Quando um jipe aparece em cena, percebe-se que aquele lugar posiciona-se longe de uma civilização. Eles precisam comprar água, não possuem eletricidade e até as balas de caramelo são contadas por causa do dinheiro contado.
A câmera interage com o espectador e com a história apresentada, querendo ser um personagem presente. E opta por planos longos sem cortes, deixando fluir os acontecimentos e simples ações. Tenta capturar o tempo real que cada coisa gasta para percorrer.
Os valores não querem se modernizar. Há o desejo de permanência no passado, antes da libertação do país. Casamento arranjado. De um lado a filha Tulpan, de outro, um marinheiro contando feitos de condecoração para despertar o interesse dos pais da moça. Quando o “noivo” em questão acredita que irá casar, uma diversão adolescente, ingênua, quase infantil o acomete e junto dele um outro amigo. “Eu trarei mais musicas para o casamento”, diz-se. Mas a “noiva” não o quer, talvez por que não gostou mesmo ou por causa de suas orelhas grandes. O personagem principal, Asa, ressente-se e fica complexado pelo o que ela disse sobre suas orelhas. A sutileza da resignação não precisa ser total aceita. Ele pega um espelho e observa. “Sem esposa, sem rebanho”, justifica-se.
As imagens utilizam o cenário natural com uma trama minimalista. Não há reviravoltas diversas, mas sim uma espera do que irá acontecer. É o dia-a-dia de um vilarejo. A crença tradicional cazaque acreditava que diversos espíritos habitavam a terra, o céu, a água e o fogo, assim como os animais domésticos. O filme busca a humanização desses animais. Eles são tratados com mais cuidados do que os humanos. Os closes dos bichanos funcionam como um retrato disso, construindo uma sensibilidade transparecendo atores treinados.
O patriarca comporta-se como um ditador que impõe as suas regras, procurando a superveniência dos demais. Explicitamente uma critica a promulgação de uma lei que concedeu ao presidente Nazarbayev poderes e privilégios vitalícios. “Os mais estúpidos são os que mais se machucam”, diz sobre o irmão de sua mulher.
A observação continua. A vida é apresentada. A poeira levantada pelo correr as ovelhas, com suas gravidezes problemáticas, que é demonstrada em detalhes. A civilização aparece quando um garoto, filho desse patriarca, ouve as noticias do país em uma radio velho e as repete ao pai. “A política do Cazaquistão rumo 2030 esta sendo implantada”, diz-se. O filho complementa que o Governo dará água e ar puro, enquanto retira um cravo das costas do pai, este pede por noticias internacionais “O Cazaquistão no Fórum Internacional. Será um dos cinco donos do petróleo”, por noticias culturais.
São típicos moradores de um local que lutam por sonhos simples. “Eu não preciso da cidade, entende?”, diz-se. Os conflitos existencialistas e aprofundados são naturalmente explorados, sem o clichê de ter que ser profundos. “Não pode casar, somos pessoas cultas”, a família de Tulpan diz a Asa. A busca da fantasia, da utopia, da liberdade em um mundo sem lei, sem regras, com uma família feliz, luz, água, a televisão a cabo com 900 canais e crianças brincando pulula na imaginação individual do personagem incompreendido.
“Qual o objetivo deste trabalho? Você cuida deles e eles te mordem”, um homem da cidade que não entende aquela vida interiorana. Quando o sopro da mudança começa a dar as caras, as musicas, as cantarias afastam a resignação e olha-se diferente para a calmaria do tédio. Mas quando o sofrimento vem, comporta-se com os mesmos sintomas de que se estivesse em qualquer lugar. A mulher do patriarca sofre entre o amor do irmão, o amor do marido, a mudança e o deixar-se viver. São muitas escolhas que cansam só de pensar nelas, dentro da brutalidade ingênua dos sentimentos. A mudança vem quando não se espera.Quando um consegue o que o outro não conseguiu, estimula a, já com as decisões tomadas de abandonar sonhos antigos, retornar aos mesmos sonhos, porem com uma diferente visão. Mais adulta, mais madura e mais crescida que se impede que se deixe o dito nada pelo novo.
Vale muito a pena ser visto. Por conhecer a linguagem cinematográfica do Cazaquistão, país que em Almaty celebra todos os anos o festival cinematográfico mais prestigioso da Ásia central, o Evraziya, no qual se projetam filmes de toda a Ásia Central e de outros países turcófonas como o Azerbaijão, Turquia, entre outras. Por observar as técnicas de seus planos longos e de seus animais que mais parecem atores. Recomendo. Candidato do Cazaquistão ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira. Melhor Filme da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes.
Sergey Dvortsevoy, nascido em 1962, é do Cazaquistão. Era um engenheiro de aviação antes de estudar cinema em Moscou no início de 1990. Realizou diversos documentários, muitos temas sobre a transição da Rússia, tentando mostrar diferentes maneiras individuais para o crescimento do próprio ser. Tulpan é o seu primeiro filme de ficção, que foi indicado em 2009 ao Ásia Pacific Screen Awards para Melhor Filme e Direção.