Curta Paranagua 2024

Tomboy

Um estudo comportamental

Por Fabricio Duque

Tomboy

“Tomboy” apresenta-se como um filme clinicamente psicológico, por incluir quem assiste ao universo da construção terapêutica, enfatizando a sexualidade, ainda ingênua, de uma criança, que observa, sem o devido conhecimento, as mudanças corporais e ou comportamentais, perante os outros e a si mesma. O individuo, por mais que queira viver como ilha (dentro dos próprios parâmetros, desejos e individualismos), necessita da figura do outro a fim de que possa exercitar as possibilidades existenciais captadas do mundo ao redor. A história conta as experiências de uma menina Laure (Zoé Héran), de dez anos, que nasceu com o “corpo errado” e faz de tudo, com a ingenuidade que é peculiar nesta idade, para parecer um menino (Mikael). Ela “estuda” os hábitos masculinos, para depois repeti-los: cuspe no chão durante o futebol é um deles. Inúmeros fatores ajudam a protagonista, como por exemplo, o corpo magro e sem seios. É declaradamente homossexual, fato explicito quando acontece um beijo com a amiga, que “parece” não saber, ou talvez esteja na mesma exploração de novidades. É plenamente permitido experimentar. Saber o que gosta ou não. O conflito instaura-se quando os adultos, já fadados às definições (e limitações) de preconceitos (e de defesas pessoais), julgam e tentam desesperadamente impor as próprias vontades, oriundas de massificações alheias. Um ser humano, na fase “madura”, é um produto lapidado, com suas neuroses, medos, realismos e pessimismos.

Salvo alguns, que exercitam a liberdade aos seus filhos, a maioria rende-se ao senso comum, criticando as mesmas coisas, com os mesmos discursos. Em “Tomboy”, de pequena duração (não chega aos noventa minutos, incluindo os créditos) e com baixo orçamento (um milhão de euros), há concisão, trazendo Laure no seu estado bruto, da base anterior à estruturação, sem o poder dos princípios e de éticas subjetivas. “Não estou fazendo isso para machucá-la, nem para lhe dar uma lição. Sou obrigada. Entende? Não me incomodo que finja ser menino. Não vale a pena. Mas isso não pode continuar. Se tem alguma idéia, fale-me, pois não tenho nenhuma. Vai fingir ser menino o ano inteiro?”, diz a mãe preocupada, achando que se a filha for igual a todo mundo, ela sofrerá menos (a ambiguidade da frase é válida para as duas personagens envolvidas). A narrativa e o roteiro prezam a naturalidade, tanto de ações, quanto das interpretações. O que se vê soa como um documentário encenado, mas próximo da sensibilidade, exterminando de vez o clichê sentimental, conservando a característica principal do cinema francês. O elenco é um show a parte. A perspicácia e sagacidade da irmã menor, acostumada à vida atual de ficar sempre sozinha, elevando uma carência crônica, roubam a cena, transformando o longa-metragem num exemplo de inteligência e sofisticação.

A intérprete da protagonista foi escolhida logo no primeiro dia de testes para o papel. A parte técnica complementa a atmosfera analítica pretendida. Os constantes close, ora tendo, apenas, os primeiros planos (o que se capta da imagem) visíveis, ora embaçados, permitem que o espectador embarque, por sinestesia, à trama. É inevitável não referenciar ao filme “Meninos não Choram”, com a atriz Hillary Swank, por abordar histórias semelhantes, mas diferenciando no quesito idade. Uma, já adulta, outra, na infância. Esta é mais pura, enquanto a outra, mais visceral e sexual. Concluindo, “Tomboy” (termo que caracteriza “garotas com traços de meninos”) merece ser visto e debatido. Até que ponto o status inerente de cada um deve ser modificado a fim de ficar compatível com o status inerente do outro? Será que a padronização é a solução mais fácil? Será que o aceite individual gera mais orgulho do que a liberdade de ser o que quiser? É um filme que retrata um período na vida de uma confusa menina e as devidas conseqüências quando a mesma resolve expor o seu lado mais original. Recomendo. As filmagens ocorreram em apenas 20 dias, em agosto de 2010. Foi o Vencedor do Festival de Berlim 2011, Prêmio Teddy.

4 Nota do Crítico 5 1

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