Tire 5 Cartas
Até a próxima sorte
Por Fabricio Duque
Quando o diretor Cacá Diegues, no final de “Bye Bye Brasil”, dedica o filme ao “Povo Brasileiro do Século XI”, talvez não soubesse que resumia um comportamento e um “estilo de vida” de nossa sociedade. Esse povo que aprendeu a sobreviver como podia, precisando trambicar suas “trapaças” no melhor “jeitinho brasileiro” e no melhor exemplo de Ariano Suassuna e seu “O Auto da Compadecida”. E/ou de “Dona Flor e Seus Dois Maridos”, de Bruno Barreto. Nesse caminho seguido pela necessidade não há maniqueísmos e/ou a literalidade moralista da projeção do certo ou errado. Cada um desses seres humanos enquanto indivíduos sociais aceitaram a luta diária como missão e meta de vida, e, pautados pelos desejos capitalistas do mundo moderno, vislumbram a ostentação financeira e o glamour do mundo dos ricos. Esse preâmbulo serve como introdução à análise do filme “Tire 5 Cartas”, dirigido por Diego Freitas (do curta-metragem “Sal”, exibido na Mostra Um Curta Por Dia do Vertentes do Cinema; dos longas “O Segredo de Davi” e “Depois do Universo”).
Roteirizado a doze mãos por Joaquim Haickel, Gustavo Pinheiro, Melina Dalboni, Diego Freitas, Giulia Bertolli e Julia Antuerpem, o longa-metragem “Tire 5 Cartas” pode ser considerado uma colagem de referências cinematográficas (um jogo quiz aos espectadores). Uma colcha de retalhos de sucessos do cinema internacional, sendo o filme “Ghost – Do Outro Lado da Vida”, de Jerry Zucker, a maior inspiração e base. Aqui, essa adaptação buscou mais o apelo popular, jogando com o timing das comédias realizadas para o público de massa ao “escalar” famosos do universo da música: Alcione e Sidney Magal. Só que “Tire 5 Cartas” consegue anexar a tipicidade do humor, perspicaz, escrachado e com inserções de pastelão. A graça aqui está nos diálogos, a grande maestria do filme, especialmente pela precisão cômica da protagonista, interpretada por Lilia Cabral, que, junto de Stepan Nercessian, trocam uma intimidade química tão conexa, que soa naturalista e coloquial.
Como disse, “Tire 5 Cartas” usa e abusa de referências. E não só fílmicas, mas também de outros gêneros, visto que aqui há musical, fantasia, sobrenatural, comédia, drama, romance, aventura, enfim, há tudo e mais um pouco. Talvez esse seja o grande problema do filme. Ao querer abordar tudo, a sensação que temos são a de esquetes novelescas e nucleares, como por exemplo, a transição entre Copacabana para São Luiz monta um número de dança que perde ritmo. É como se um novo filme tivesse se iniciado. Taí, o que assistimos parece ser uma coletânea de curtas-metragens. Cada parte tem sua atmosfera e sua existência coral, ainda que todos estejam conectados com o mesmo propósito da trama. Dessa forma, analisando assim, encontramos ora cenas excelentes, ora mais preguiçosas (vamos concordar que a foto do Instagram é muita forçação de barra, não é?) em suas construções, ora didáticas, ora de mensagem redenção auto-ajuda. Ora evoca “11 Homens e um Segredo”, em versão dupla, bem à moda de “A Família Vende Tudo”, de Alain Fresnot. Mas a essência está lá, não podemos negar: o humor de Lília tece toda a duração da história, ainda que precise fazer discursos mais apelativos de um roteiro que precisa de ajuda a todo instante para seguir até o final.
“Tire 5 Cartas”, como também foi dito, tem sua base no filme norte-americano. Aqui, Lília é Fátima e vira uma Whoopi Goldberg abrasileirada, taróloga e de valores cafonas, preferindo “mentiras doces que verdades amargas”, entre “tempos que queimam na largada”. Stepan é Lindoval, a versão Patrick Swayze, à moda brega. E também trambiqueiro. Não, não há Demi Moore, mas há uma construção de arquétipos sociais. De tipos à la “Inferninho”, de Guto Parente e Pedro Diógenes, todo mundo aqui, hipocritamente, tem algum “podre” moral. Mas nada é julgado, com um que de “Sai de Baixo” e/ou “Vai Que Cola”. Pois é, a narrativa daqui se desenvolve por acasos atrapalhados de um classe C mais popular. Assim, o grande pulo do filme, que faz rir naturalmente, sem provocar nada, nas referências fora de contexto. “Olha pelo lado positivo: vocês duas se deram mal”, diz-se com um humor tão ingenuamente cruel, verdadeiro e humano, que torna a cena crível, entre cinismos potencializados e deboches explícitos. Sim, tudo poderia ser muito ridículo, mas é esse contexto de humor que embasa essa decisão mais caseira e orgânica, como a raquete de mosquitos. Só pobres entenderão.
É, o longa-metragem, ao querer agradar gregos, troianos, cariocas e maranhenses, acaba se perdendo no próprio caminho, deixando muitas pontas soltas. Tá, sim, há a liberdade poética, só que aqui é livre demais. Entre bombons de bacuri, possessão de corpos, homenagem ao mestre Antônio Vieira, Sidney Magal como Coach musical, a transformação da amargura em felicidade, ressignificação do tato da verdade versus mentira e com agradecimento às tarólogas Joana e Angélica, “Tire 5 Cartas”, assistido na pré-estreia carioca que aconteceu no Shopping Leblon, foi totalmente produzido e rodado em São Luís, pode ser impresso como sendo o último capítulo de uma novela, em que tudo termina bem resolvido, que todas as diferenças são aceitas e que até famosos querem saber de seus futuros. Sem anel, até a própria sorte.
1 Comentário para "Tire 5 Cartas"
Você falou, falou, falou, demonstrou claramente ser um cinéfilo, conhecedor de filmes e do mundo do cinema, mas não conseguiu me fazer saber se o filme analisado é bom, razoável ou ruim, se devo ir assistí-lo ou não. Será que daria pra ser mais claro e menos verborrágico?