The Farewell
Buscar Sentido não Faz Sentido
Por Jorge Cruz
“The Farewell“, produção independente financiada por investidores chineses, para muitos será um cartão de visitas do trabalho de Lulu Wang controverso na receptividade por vezes emocionante e em outras próximas da frieza. Apesar de grandes questões a serem destiladas adiante, é uma obra que – ao convencionar em seus primeiros momentos ser “inspirado em uma mentira atual” – não se preocupará mais em ser farsesca ou inverossímil dali em diante, mesmo que em sua dura carcaça melodramática ela acabe se pautando em aspectos fortemente mundanos.
Semi-autobiográfico, o filme retrata uma passagem da vida de Billi (Akwafina, de “Oito Mulheres e um Segredo”), uma jovem sino-americana totalmente adaptada ao ritmo e dilemas de uma vida ocidental. Dentro das questões existenciais de sua geração (sempre focamos em nossas críticas o famigerado “desejo de fuga”), uma delas se manifesta em sua persona de maneira bem direta: a potencialização de suas emoções. Tentando se equilibrar na corda bamba da pós-modernidade, Billi mergulha em situações que a permitam rir ou chorar exageradamente, tornando a receptividade para determinadas notícias algo imprevisível. Na mais extrema delas, a proximidade da morte de sua avó Nai Nai (Shuzhen Zhao), com câncer em caráter terminal, já deixa a moça devastada incontinenti.
Diante disso, os pais da Billi não querem que ela faça parte da caravana de parentes que, sob a desculpa do casamento-relâmpago de um primo, viajarão para a China a fim de passar momentos derradeiros em companhia da matriarca. Ignorando tais recomendações, a protagonista voará ao encontro da avó mesmo assim. “The Farewell“, ao contrário de obras como “Depois a Louca Sou Eu“, traz uma comicidade situacional ao mesmo tempo singela e inofensiva. Transita entre alguns pontos a partir da leveza. Não apenas pela maneira transtornada com a qual Billi tenta se manter equilibrada. Há, por exemplo, uma cena em que sua mãe, Suze (X Mayo) conversa com a filha em mandarim, ainda nos Estados Unidos. Uma sequência que nos faz pensar o quanto imigrantes abdicam de sua cultura para inserir na nova sociedade – e o quanto os chineses são resistentes por conta da força de sua comunidade. Para isso, basta imaginarmos o quanto de críticas já não testemunhamos, mesmo no receptivo Brasil, quando presenciamos essa comunicação em outro idioma.
Um dos acertos de “The Farewell” é não usar muito de sua trajetória para criar um cenário ao mesmo tempo divertido e intrigante. O roteiro de Wang, porém, é tão polido que não deixa sua direção criar asas. Sequências tão promissoras como aquelas que mostram a chegada de Billi na China, em um passeio pela territorialidade do país em franco crescimento econômico, ao mesmo tempo que soam deslocadas não acertam ao criar um clima de repetição. O espectador, assim como a protagonista, quer saber mais sobre aquele local que agora está inserido. Todavia, não há na personagem de Akwafina a mesma cumplicidade com a qual o público dedica a ela, deixando a sensação de que o “olhar estrangeiro” dos realizadores norte-americanos não foi totalmente perdido. Por outro lado, dá a todas as mulheres da trama voz ativa, deixando as personagens masculinas com pequenas inserções, como se idealizasse uma passividade reversa. Aquela que soou como a principal cena do filme acontece em um jantar com toda da família reunida, oportunidade em que essa escolha narrativa se revela de maneira ampliada. Se imaginarmos a convenção dos créditos iniciais, de que estamos ali diante de uma grande mentira, esse ponto soa como uma deliciosa ironia da roteirista.
Na questão estética, a cineasta se pauta na centralidade das ações, posicionando os atores de frente para a câmera, remetendo quem assiste às técnicas de Wes Anderson. Esse purismo acaba realçando cenas intermediárias, em que os diálogos poderiam ser meras transições, ao status de sequências fundamentais. Isso aumenta a carência por aquela descoberta das origens e da busca pela ancestralidade, que poderia ser bem mais imagética do que jogralizada, uma mastigação de sensações que o cinema norte-americano insiste em manter. Porém, é de se louvar o pouco peso melodramático nas fases mais agudas do longa-metragem. O artifício é usado como peça de uma engrenagem, tornado justificável toda a construção de sentimentos ao longo da história.
O terça final é o grande divisor de águas do filme em questão de receptividade. Em sua mensagem de que não faz sentido buscar um sentido na vida, “The Farewell” aos poucos vai virando uma outra coisa. Inserções de manifestações populares e eruditas em sequências que para muitos poderá soar como gordura. Trilhando um caminho que envolve cantos e brincadeiras, só que de maneira tão melancólica que – ao mesmo tempo que parece coerente – vai murchando todos os balões cômicos, sentimentais e dramáticos enchidos por Wang anteriormente. Uma obra que instiga no início, ousa no caminho e se torna indefinível ao final, mas que, na verdade, é apenas uma grande piada de Lulu Wang. Se a farsa não nos fazer gargalhar ou chorar tanto quanto Billi, é o suficiente para dar um simpático sorriso e terminar a sessão com um pouco mais de saudade da família.