A Livraria

A literatura enquanto hesitação

Por Fabricio Duque


Um dos quereres da diretora espanhola de Barcelona, Isabel Coixet (de “Minha Vida Sem Mim”, “A Vida Secreta das Palavras”), em seu mais recente filme “A Livraria”, que foi exibido em sessão especial no Festival de Berlim 2018, e que foi o grande vencedor do prêmio Goya de Melhor Filme, é de que a história fique clara na mente de seu público quando a filme acabe, que por sua vez é uma paráfrase da narração inicial do próprio longa-metragem em questão aqui.

“A Livraria”, livremente adaptado no livro homônimo de 1978, escrito por Penelope Fitzgerald (“uma celebração bibliófila”), busca envolver o espectador em uma atmosfera nostálgica e mais inocente, como uma realista viagem de um lúdico conto-de-fadas, que personifica um interiorano bucolismo do passado à representação do teatralizada do presente, e que projeta sonhos à ficção do desejo mais profundo da alma, acreditando que o impossível não existe.

A narrativa conduz-se pela estrutura de um novela, romanceando ações, reações, hesitações, sonhos, fracassos e crueldades, como capítulos de um livro, lidos com superficialidade por um leitor com pressa. Assim, tudo é construído por gatilhos comuns, por detalhes clichês (por exemplo, o suor de um funcionário do banco), por olhares caricatos dos atores hesitantes para falar seus textos, e por uma tentativa de traduzir sentimentos, potencializando ingênuas emoções.

“A Livraria” opta pelo tom condescende de fáceis reviravoltas, de diálogos encenados ao anti-naturalismo (como se tentassem lembrar das falas do roteiro). “Livros são exaustivos”, diz-se. É um filme que acredita realmente em sua seriedade, forçando a naturalidade da simplicidade como fio condutor, impedindo que se aconteça simplesmente espontâneo.

Desta forma, seu ritmo é prejudicado pela ágil edição com foco em Hollywood, e a equilibrada cadência soa mais como um robô sem óleo. A montagem vislumbra contemplação, silêncio e tempo pausado, mas o que consegue é um resultado amador, quase preguiçoso (como uma falta de prática desconfortável em um ambiente estranho).

O longa-metragem também não se preocupa com o elemento maquiagem, deixando suores na pele de suas personagens. Seria isto um propósito orgânico comportamental? Não. Até porque a próxima cena, seus atores já se apresentam sem o brilho. Os profissionais foram avisados e resolveram estes problemas.

Mas nem tudo está perdido. Maestrias aparecem e são bem-vindas, como o humor típico inglês, um misto de espirituosa cumplicidade agressiva e de pueril altivo sarcasmo de um sutil humor naturalista; o jazz que nos infere ao mundo de Woody Allen, e ou o inerente saudosismo dos amantes por livros, que os cheiram como uma droga sensorial transcendental do começa da partida à viagem literária.

Quanto mais assistimos “A Livraria”, mais nos damos conta de que o real objetivo é inserir o público em suas puras micro-ações, como o conteúdo da carta que é lido à câmera, este artifício, uma artimanha de modernizar o que vemos, apelando às últimas cartadas pela forma da estética.

“A Livraria” é, acima de tudo, uma ode ao amor literário, uma aprazia à jornada solitária do ler, e uma seleção dicas de livros elencados e explicitados: “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, e “Lolita”, de Vladimir Nabokov (“o livro que está chocando o mundo”). Aqui é também uma crítica a uma sociedade, dos anos cinquenta, com medo do novo (e do futuro), que se limitava nas padronizações maniqueístas da repressão sexual e da hipocrisia do “não se mostrar ao outro”.

No final da década de 50, Florence Green (a atriz Emily Mortimer), uma mulher recém-chegada em uma pacata cidade do litoral da Inglaterra decide abrir uma livraria. Contudo, sua iniciativa é vista com maus olhos pela conservadora comunidade local, que passa a se opor tanto a ela quanto ao seu negócio, obrigando-a lutar por seu estabelecimento.

Florence encontra um cliente no recluso Sr. Brundish (o ator Bill Nighy), mas também encontra um oponente formidável na Sra. Gamart (a atriz Patricia Clarkson), uma figura local e patrona das artes que ciosamente guardam sua esfera de influência. Florence não se faz de rogada e não desiste, realizando grandes pedidos de obras polêmicas e ainda tumultuadas a estes moradores.

O filme é nivelado a um público mediado, menos exigente. Com suas interpretações facilitadoras, palatáveis, em uma atmosfera que volta ao tempo e o vento. São momentos, à moda do seriado do Hallmark Channel, “Chesapeake Shores”, que caminham na linha tênue do bobo e do fofo. É tão fora de tom que o espectador desliga o próprio cérebro, aceita e espera acabar.


Festival de Berlim 2018: “The Bookshop”


Da diretora espanhola de Barcelona, Isabel Coixet (de “A Vida Secreta das Palavras”, “Ninguém Deseja a Noite”), 113 minutos. Com Emily Mortimer, Bill Nighy, Patricia Clarkson.


No final da década de 1950, uma jovem viúva chamada Florence Green decide colocar seu luto de lado e fazer de um sonho, uma realidade. Ela compra uma casa desgastada pelo tempo na bela cidade inglesa de Hardborough e abre uma livraria dentro dela. Mas seu projeto enfrenta preconceitos e resistência. Os habitantes provinciais da cidade são “catapultados” de sua letargia por trabalhos contemporâneos controversos, como ‘Lolita’ de Nabokov e ‘Fahrenheit 451’, de Ray Bradbury. Florence encontra amabilidade no recluso Sr. Brundish, mas também encontra adversidade na Sra. Gamart, uma figura local e aspirante a patrocínio das artes, que guarda de forma ciumenta sua influência.

É uma adaptação do romance de 1978 de Penélope Fitzgerald. “Uma celebração da bibliofilia”.

A diretora Isabel Coixet conseguiu criar um drama distintivo, estilisticamente coerente sobre a luta de uma mulher que corajosamente leva sua vida em suas próprias mãos e tenta introduzir um sopro de ar fresco em uma resistente comunidade.


“The Bookshop” integra a seleção Berlinale Special.


2 Nota do Crítico 5 1

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