Tel Aviv em Chamas
Raso Folhetim
Por Jorge Cruz
“Tel Aviv em Chamas“, de certa maneira, é fiel ao que se propõe. Aproxima-se da narrativa folhetinesca para criar uma clássica dramédia sobre as interações sociais entre israelenses e palestinos. Todavia, abraça tanto essa intenção que acaba causando pouco (ou quase nenhum) impacto em todas as frentes às quais deveria atacar. Por óbvio que não incomoda, passa longe de ofender e pode ser assistido sem abalar as estruturas de qualquer sociedade. Porém, se pavimenta com uma betoneira reluzente em uma estrada cujo tráfego acaba não justificando o investimento.
Após um prólogo que nos coloca dentro da novela de cunho histórico que dá nome ao filme, fica clara a visão palestina sobre os momentos que antecederam a Guerra de Seis Dias em 1967. A tentativa de impor uma comédia situacional se dá a partir da precariedade da produção televisiva, de flagrante baixo orçamento, com forte apelo para a pieguice. Salam (Kais Nashif) surge como uma espécie de consultor, um homem com um mínimo de desconstrução para problematizar as criações semiológicas e semânticas do programa no qual se transforma em roteirista. O elenco (na seara ficcional, que fique claro) não compra a ideia e interpreta o texto com a mesma despretensão com a qual a novela parece levar a cabo aquilo tudo. Nesse ponto vale ressaltar as boas interpretações e forte sintonia dos atores.
Quando falamos que “Tel Aviv em Chamas” faz essa promissora abordagem, não nos limitamos ao objeto, qual seja, a relação entre dois povos que, oficialmente, não aceitam uma ocupação territorial conjunta. Até mesmo a estética da obra parece um prato cheio para usar essa linguagem folhetinesca, que transita entre a maneira mais formalista das novelas brasileiras e o quase-deboche das produções mexicanas. Ocorre que a execução não assume esse jogo de cena, essa mistura de ficção e realidade, esse exagero. Pelo contrário, o roteiro de Sameh Zoabi telegrafa os momentos, descompactando de uma maneira pouco inteligente. As piadas tentam funcionar pelo viés da linguagem, sendo a grande mola propulsora da trama uma abordagem das autoridades feita ao protagonista por ele questionar o ofensividade da expressão “explosiva” ao falar com uma mulher.
Sim, relacionar qualquer coisa a uma bomba no território palestino pode dar cadeia, a graça é essa. Quando Salam tenta ganhar a confiança do capitão vivido por Yaniv Biton ele compra seu carinho levando homus envelhecido para o israelense satisfazer o desejo incontrolável de comer essa deliciosa iguaria árabe. Uma apresentação cômica datada, que surge apenas como quebra de ritmo de um longa-metragem que gira em torno das mesmas interações. Sem exploração de território, de representatividade ou até mesmo a crítica política a qual tanto foi celebrada quando apresentado no Festival de Veneza de 2018. Um prêmio especial pela promoção do diálogo inter-religioso foi concedido na importante mostra italiana. Porém, fica claro que “Tel Aviv em Chamas” se contenta em apresentar temas e não ir além. A criação do debate depende de um complexo conjunto de referências externas do espectador, eis que o filme não rende muito suco mesmo que se esprema com força.
As situações aparentemente sérias e profundas têm a mesma condução de revelações mal formuladas que a própria novela traz, pincelada em poucas sequências. Há mais conversas sobre os rumos a serem tomados pelo programa, com um equilíbrio que tende a descambar para o anti semitismo por um apreço dos produtores por quem eles entendem como público-alvo. Ao deixar para externalizar seu potencial dramático nos vinte minutos finais, não vai além de um filme para vender cultura para estrangeiros. Vale lembrar que estamos falando do representante do pequeno Estado de Luxemburgo na corrida do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2020, uma co-produção que sabe que precisa atingir diversos públicos partindo de inúmeras maneiras, mas não é eficiente em nenhuma delas.
Soam tão forçados seus princípios narrativos, sua sociabilidade imposta, que não conseguimos comprar o que seria uma perspectiva do absurdo. Tentar não ofender é diferente de empobrecer a abordagem. “Tel Aviv em Chamas” fica no meio-termo da despretensão e da reverência, gerando uma crítica social rasteira, quase que assumindo que a desconstrução de seu protagonista inviabiliza as ações por uma suposta ditadura do politicamente correto. Contudo, o cinema nos últimos anos está cheio de criações (e recriações) que conseguem coadunar tudo isso.