Taiguara – Onde Andará Teu Sabiá?
O sabiá que foi cedo demais
Por Paula Hong
Se a produção artística de uma pessoa reflete a vida que ela levou, então Taiguara Chalar da Silva deixou para trás um legado verdadeiramente venerável. O documentário “Taiguara — Onde Andará Teu Sabiá?”, de Carlos Alberto Mattos, exercita a tentativa de encapsular uma jornada intensa que extrapola o meio musical — desde criança. Taiguara permuta por lugares onde absorve muito, levando consigo até o próximo destino uma bagagem que se refina de acordo com suas vivências.
Tal exercício é feito através da vídeomontagem de imagens (tanto estáticas quanto em movimento) de arquivo que direta ou indiretamente envolvem Taiguara. Não há intervenção narrativa exceto do próprio músico que conta sua história de vida e, apoiando-se nela, pontualmente explica qual de suas composições ou interpretações musicais têm ligação com um ou mais momentos marcantes. Estes que Mattos, textualmente, preanuncia em uma espécie de resumo com “palavras-chave” soltas logo numa das primeiras cenas do filme, e os capitula com cartões que situam e informam o espectador daquilo que não é dito por Taiguara. A estética visual do filme lembra muito aqueles vídeos no YouTube elaborados por fãs em que a compilação de diversas fotos de quem canta é apresentada através de um slide, e cuja edição dos mesmos é criativa e arbitrária no uso dos mais diversos filtros e molduras.
Nascido em Montevidéu, Uruguai, no ano de 1945, Taiguara emigrou com a família para Porto Alegre. De lá, para o Rio de Janeiro; do Rio, para São Paulo e, a partir daí, não parou mais, pois deixou suas pegadas também em Londres e Paris, durante o exílio que também afetará outros artistas de seu meio durante a ditadura civil-militar brasileira. Pode-se dizer que seu relacionamento com a música é cromossômico e sanguíneo: seu pai brasileiro Ubirajara Silva, bandoneonista e maestro; sua mãe uruguaia, Olga Chalar, cantora de tango. A música foi esse entrelaço de duas pessoas cuja extensão foi formada dentro das afinidades que o rodeavam — com estudo e experiência, Taiguara desenvolveu um talento artístico que começou na música, mas não parou aí.
Em “Taiguara — Onde Andará Teu Sabiá?”, as diversas camadas resultantes da personalidade carismática do artista são destrinchadas em músico, compositor, intérprete e ator; esta não se fixa como as outras e, apesar da pouca duração, deixa uma impressão na produção cinematográfica da época. A apresentação delas é tão fluida quanto a inserção de Taiguara por esses outras formas de expressão que dilatam sua visão sobre o meio em que está inserido. A partir delas, faz-se críticas ao capitalismo (consciência que, segundo Taiguara, é adquirida ainda na infância), à condução e formação de festivais de música e, como de praxe, às injustiças que permeiam o Brasil. Mas fala-se também de desejos, de vivências tanto familiares quanto românticas, de sentimentos que são traduzidos e formatados através do arranjo musical autêntico.
Ao lado de quem é hoje conhecido como grandes nomes da MPB, Taiguara é precursor do gênero ao passo que nutre desenvoltura singular destacável em meio à alta produção dos que se aventuram e tentam fazer um nome no campo artístico. Isso permite que não somente consiga se firmar nesse cenário, tornando-se referência, como também alvo de censura durante o início da década de setenta. Entretanto, o refinamento cultural adquirido durante os anos o permite driblar os vetos e, o que sobrevive de seus LPs, mais tarde torna-se história contada por ele mesmo.
Taiguara é visto e colocado por muitos como cantor romântico, mas ele não se deixa limitar pelo rótulo. Sua experiência acumula um arcabouço que garante legitimação às críticas veemente feitas tanto ao período de censura quanto à abertura de música estrangeira (principalmente estadunidense) no Brasil, colocando a produção nacional para a tangente — algo que é latente até hoje. É satisfatório e, de certo modo, um acalento com que é mostrado o bom humor que o cantor compartilha o que passou durante aqueles anos, configurando-lhe o título de cantor romântico mais censurado, como aponta uma manchete de jornal.
O documentário “Taiguara — Onde Andará Teu Sabiá?” é laborioso na tentativa de fazer jus não somente à figura musical de Taiguara, mas também à política, ao prodígio artista de identidade e consciência latinoamericana. Sua discografia contém transportações criativas do que ajuda a formar o cenário cultural brasileiro ser prestigiado nacional e mundialmente: vivências pessoais que trazem substâncias de conexão com outras experiências. Para quem nunca ouviu Taiguara, o filme contém apresentações dele ora integral, ora parcial, mas que de qualquer forma é convidativo para continuar ouvindo e para saber mais sobre o artista que morre muito cedo, vítima de um câncer na bexiga. Seu legado é expansivo, e isso é perceptível ao longo do filme.
1 Comentário para "Taiguara – Onde Andará Teu Sabiá?"
Salve Mestre Tayguara guerreiro afroameríndio, multiartista quando ninguém ainda falava nisto nunca, um de meus mestres, um de meus ídolos, nunca será esquecido, músico e compositor excepcional, revolucionário até a medula. Que esteja num lugar maravilhoso, de campos verdes, repleto de flores belíssimas e em paz. Axé