Sweat
Alienação e angústia no Instagram
Por João Lanari Bo
“Sweat”, o segundo longa-metragem do diretor sueco (radicado na Polônia) Magnus von Horn, diz para que veio: mergulhar no sofrido mundo de aparências de uma influenciadora “fitness”, habitante de Varsóvia, Polônia. Sylwia (ótima interpretação de Magdalena Kolesnik) angustia-se, pois é amada por 600 mil seguidores ao mesmo tempo em que se debate com uma solidão patológica e dificuldades de se relacionar afetiva e sexualmente. Um corpo que se autofilma e se exibe o tempo todo, mas que é incapaz de lidar com conflitos, mãe e familiares. Um corpo que vive o drama da reificação online, 24/24 e 7/7: reificação; literalmente, “transformar algo em coisa”, operação mental que consiste em transformar conceitos abstratos em objetos ou mesmo tratar seres humanos como objetos. Theodor Adorno, um dos teóricos que mais utilizou o conceito, exemplifica o processo de coisificação e coletivização através dos esportes e respectivas técnicas, ao projetar corpos que tenham maior resistência e aproximando-os das máquinas: a resultante é desumanização e embrutecimento dos corpos. Sim, Adorno tinha em mente sobretudo práticas prevalecentes na Alemanha nazista e o culto do corpo ariano: mas quem garante que o nosso mundo capitalista contemporâneo, a sociedade do espetáculo balizada pelo consumo e uso do corpo como mercadoria, não estaria contribuindo para uma perenização desse processo, ou seja, transformando corpo em coisa?
Não é preciso ser um exegeta tarimbado para dar-se conta que a famigerada mídia digital, as redes sociais de que tanto se fala, funcionam como espaço de difusão de estratégias mercadológicas que investem na mercantilização do corpo. Sylwia é uma “influencer” digital: alguém capaz de influenciar pessoas através da produção de conteúdo nas redes sociais, profissão altamente competitiva; é possível ganhar dinheiro influenciando e impactando pessoas no âmago da ferida narcísica, diria Freud, na famosa e indefectível aparência física. “Sweat”, selecionado para a edição não acontecida do Festival de Cannes 2020, dedica planos próximos do rosto de Sylwia à certeza do bem estar físico e mental que parece aflorar como paradigma existencial: já os planos de conjunto, os treinamentos coletivos, dispersam a força concentrada dos close-ups, mas levam a excitação para uma espécie de ritual catártico. A câmera, por sua vez, está em toda parte: pontua a vida diária da “influencer” a sequência de “selfies” filmadas, em que ela vai desvelando os acontecimentos banais da existência, os encontros de trabalho e os passeios com o cachorrinho, até que… Sylwia se debulha em lágrimas, defrontando-se, nem que seja por poucos minutos, com um vazio incontornável inscrito em algum lugar da sua persona interior. Vazio que é compartilhado, claro, imediatamente.
“Cansado de viver o tempo todo com ansiedade? no trabalho, com a família e os amigos, é aquela sensação de angustia e ansiedade: o prazer se afasta da sua vida e você fica sufocado pela ansiedade que se recusa a abandonar sua rotina; viver assim é horrível…” Tais assertivas, (falsamente) extraídas de um manual qualquer de autoajuda, parecem ter se instalado na pele de Sylwia, na superfície do seu corpo, e adentrado sua alma. Suas emoções são a um só tempo superficiais e profundas. Ela parece estar seguindo outra máxima da autoajuda – criar conteúdo de qualidade é indispensável se você quer se tornar “influencer” digital: vá além das fotos bonitas com filtros; resolva a dor da sua persona, pense em como você pode ajudá-la. Difundir a dor psíquica pelo Instagram pode ser, paradoxalmente, um processo de cura, uma psicanálise pública. No mundo da internet, tão novo e tão complexo, pessoas comuns podem produzir conteúdo, e não apenas os executivos das empresas de comunicação – antes, somente as grandes corporações detinham o monopólio das mídias. Mas o Instagram, rede social online de compartilhamento de fotos e vídeos, funciona nesse novo mundo, diria Adorno, como instância de reprodução e manutenção do modo de produção capitalista: passatempo indolor que introjeta hábitos e costumes que tem como premissa o consumismo; no caso de Sylwia, hábitos e costumes atrelados ao “fitness”, esse termo que o mercado inventou para designar “prática de atividade física e bem-estar físico e mental”.
Outro dos conhecidos argumentos de Adorno sugere que os seres humanos de uma sociedade moderna vivem uma vida pré-programada, tanto em relação ao trabalho como em relação ao lazer. “Sweat”, na alegria e na tristeza, confirma o vaticínio: e Sylwia, reassegurada, brada ao final; “um bom e saudável dia a todos!”