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Styx

Oceano como distanciamento social

Por Daniel Guimarães

Durante o Festival do Rio 20 Anos

Styx

Em um processo de construção geográfica visual e da mise-en-scène por si só, a noção de espaço e de universo criado é fundamental para consolidar realidades críveis e bem coordenadas. “Styx” entende perfeitamente esse conceito e eleva a espacialidade para dentro da narrativa buscando falar do afastamento interpessoal.

Dirigido por Wolfgang Fischer, o longa traz Rike (Susanne Wolff), uma médica que, em suas férias, decide viajar de barco até a pequena Ilha da Ascensão. Seus planos encontram problemas ao avistar no caminho um navio de refugiados prestes a afundar com centenas de pessoas. Levando em consideração que o filme discute a crise imigratória a partir de uma protagonista em meio a um gigante oceano, o simbolismo do isolamento e da distância é nítido.

Nesse mar, há pouca interação com pessoas. Quando ocorre, é através de uma comunicação em rádio que expõe brilhantemente a mecanicidade de relações que o filme quer tratar. Trata-se de trocas de diálogos extremamente “disciplinadas”, frases terminando em “câmbio” de maneira rigorosa, sem um traço sequer de humanidade, mesmo enquanto discutem a possibilidade da morte de centenas de pessoas. De maneira a encher de angústia o espectador e gritar na tela que nós, como humanos, estamos falhando gravemente na crise dos refugiados. Nos afastando da compreensão ao experimentar o lugar do outro e nos aproximando de uma relação distante e extremamente mecânica.

O isolamento inicial de Rike, em busca de “uma ilha artificial, porém intocada” de Darwin se alonga demasiadamente. Se é importante, dentro da lógica narrativa, mostrar a personagem sozinha em meio a uma imensidão de água, acaba por pecar por excesso ao mostrá-la por tempo exagerado trabalhando em manutenção e limpeza do barco, além de retratos cotidianos em alto mar, se tornando repetitivo e entediante.

Já na presença de um menino que consegue resgatar, há uma cena onde a doutora acaba parando sozinha no mar. A sensação é de pavor completo, nossa “bondosa” protagonista, tendo de nadar nessa imensidão. Ora, não é exatamente essa a situação dos (muitos) refugiados? O pânico e a empatia pela vida da doutora se dão pela proximidade, humanidade e afeição que tivemos por ela, diferente da relação com o grande navio afundando distante da tela, propositalmente longe do close-up.

A fotografia, de Benedict Neuenfels, por sinal, é estimulante ao capturar cores não vibrantes nas externas, que justamente retratam a frieza e o distanciamento que o longa procura. Além de diversas cenas onde, pelo uso de planos fechados, cria-se ansiedade e claustrofobia em um ambiente completamente aberto. Curioso é que, por vezes, a iluminação interna certas vezes traz um inusitado neon que, além de parecer pouco diegético, também faz pouco sentido simbólico. Parece querer trazer vida para aqueles momentos, mas de maneira mais estetizada pela própria cor em si e não por qualquer função lógica narrativamente.

Como estrutura, o afastamento, o silêncio e a frieza de “Styx” parece implorar um terceiro ato catártico, com sequências que mostrassem e extrapolassem aquilo que estava sendo contido, amarrado e reprimido ao longo dos dois primeiros atos. Por outro lado, também poderia se desenhar por um final cru, mantendo a repressão e a angústia no espectador, encarcerado da vontade de uma conclusão moral para a história. Lamentavelmente o filme parece tocar somente a superfície rasa da catarse.

A narrativa, que utiliza de tanto tempo em cenas de cotidiano marítimo no primeiro ato, apressa-se inexplicavelmente em um desfecho fora de ritmo com todo o filme. Força-se uma criação de dramaticidade que simplesmente soa artificial e o objeto de trama do filme inteiro, o navio dos refugiados, é concluído como se pertencesse a uma subtrama de menor importância. O mesmo poderia se dizer para sequelas psicológicas em um fim de estudo de personagens. São absolutamente jogadas ao acaso nos últimos minutos.

A protagonista que tanto procurava a beleza de uma terra artificial e intocada, encontra paralelos na tragédia. Os refugiados, fugidos de problemas artificiais criados por humanos, procuram agarrar qualquer chance de uma vida melhor. Comumente balançam suas mãos para o vazio, pois, como o socorro no rádio diz, empresas possuem um “protocolo a seguir”. A interferência humana, no sentido de auxílio, nunca foi tão solicitada como em “Styx” e, ao final, mostra que as vítimas estão mais isoladas, afastadas e intocadas do que qualquer ilha dos sonhos.

3 Nota do Crítico 5 1

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