Curta Paranagua 2024

Soul

A essência de ser o que somos

Por Fabricio Duque

Disney Plus

Soul

O que faz de você ser você? Qual o seu propósito na vida? A existência humana possui livre-arbítrio? Qual a missão de cada um de nós? Nascemos com nossas personalidades já pré-definidas? Integrante da seleção oficial do Festival de Cannes 2020, edição cancelada por causa da pandemia do Coronavírus, a mais recente animação da Pixar, perna mais psicanalítica-filosófica da Disney, “Soul” (2020) corrobora a característica principal de seus criadores, que é humanizar a própria vida pela condução orgânica e personificado do etéreo. Nós espectadores participamos de uma sessão de terapia psicológica. Sonhos, vontades, medos, desejos, limitações, fracassos e fugas de si mesmo são análises-questionamentos (uma necessidade urgente da mudança), conduzido narrativamente pela magia da fantasia. Uma fábula-parábola de reconexão e de ressignificação. Uma segunda chance do Universo. O “presente” da viagem, que redireciona percepções enraizadas no pragmatismo do mundo moderno.

“Soul”, dirigido por Pete Docter (de “Divertida Mente”, “Monstros S.A.”, “Up – Altas Aventuras”), codirigido pelo estreante Kemp Powers, é um filme sobre a liberdade do próprio existir, aglutinando e amalgamando os argumentos-preceitos do Kardecismo, com sua Pré-Vida, umbral, vale das almas perdidas, o espectro de se estar na Terra e o Além-Vida. Esta representa o simbolismo da jornada. Do ciclo. Da arquitetura metódica. E quando todas essas ideias são quebradas e repensadas, a animação, que estreia no dia de hoje, dia de Natal, na plataforma digital da Disney Plus, nos expande e assim somos chacoalhados com a melodia da alma. O título também quer sinalizar o Jazz. A essência dos sentidos. De lembrar “que uma caixa é apenas uma caixa”. De que a simplicidade e o verdadeiro sentido da vida estão nos pequenos detalhes. Nas mínimas micro-ações idiossincráticas. Na mais intrínseca diferença comportamental.

O longa-metragem pode e deve ser classificado como auto-ajuda, porém aqui ainda há o tempero especial da perspicácia espirituosa, que traduz características empíricas de nós mesmos. Sim, é um filme sobre a construção de pessoas em ambientes sociais. Em uma das cenas, por exemplo, a crítica de que na Pré-Vida “mandam gente demais para o setor egocêntrico” reflete possíveis “erros” e humanidade demais na criação do estágio em que estamos no momento. “Soul” é uma viagem para dentro em que maniqueísmos são desconstruídos (apesar da trama “derrapar” ao expor a cena de um “racismo” – um homem preto é confundido com outro homem preto por ser preto, e ainda o traumatiza). Mesmo assim, o filme mantém a potência criativa de seus anteriores, contudo, neste, seu roteiro opta pela sinestesia espectral e da elipse sensorial, implícita e sugestiva. A quebra de tempo e de espaço sinaliza a onipresença “celestial”. As formas aparentes, uma adaptação à melhor aceitação do olhar iniciante de recém-chegados. Sim, nós entendemos isso. Só que o ir e vir possíveis talvez acarrete um desnorteamento não metafórico.

“Soul” é também uma obra (quase de live action animado) de referências (easter eggs) cinematográficos. O “jogo” é encontrar “tesouros pistas” de outros filmes, como “O Céu Pode Esperar” (1989, de Emile Ardolino, com Robert Downey Jr); “Amor Além da Vida” (1998, de Vincent Ward, com Robin Williams), entre tantos outros que romantizam a morte de forma fantasiosa e que a enganam com truques humanos (e pelo imaginário popular, que ganha o final feliz por causa da boa ação e encontra a redenção da felicidade incondicional). Como foi dito, o roteiro, escrito pelos diretores e por Michael “Mike” Jones, a despeito de toda sua maestria, caminha em determinados momentos pela facilidade, apressando reviravoltas e situações, devido à proteção da animação, que torna tudo razoável e factível na imaginação de seu público. Mas isso não “perturba” a ordem de sua mensagem contextual, vide que a máxima “qualquer filme menos gênio da Pixar é ainda assim uma obra-de-arte” continua sendo plausível seu uso aqui.

O filme, que pode ser traduzido como um compêndio de vivências comportamentais-existencialistas de seus longas e curtas-metragens, cumpre não só seu papel em instaurar a reflexão, como nos estimula a nossa missão-propósito. De não relativizar e policiar tudo o que passamos com subjetivismo exagerado e sensibilidade agressiva anti-sofrimento. A folha de árvore, dividir o que se tem com o músico do metrô, encontrar prazer na pizza após séculos de aprendizagem “inativa” e desestimulante. Cada coisa existe porque o propósito maior da vida é a própria vida. É continuar estando em um gerúndio infinitivo. “Soul” é sobre as engrenagens do Universo e sobre, mais uma vez, a humanidade que acontece independente das vontades alheias. Ao se “desformar” do físico enraizado e adentrar no sobrenatural, encontra-se a alma. Aquilo que faz de cada ser humano, único e dotado de particularidades exclusivas.

4 Nota do Crítico 5 1

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