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Sonhos de Trem

Quando o recorte é a forma

Por Vitor Velloso

Sonhos de Trem

Há algum tempo é possível notar os efeitos da cinematografia recente de Terrence Malick no cinema norteamericano, em especial o cinema independente que tenta se ajustar entre uma ampla distribuição e a uma ode ao nicho particular, ou seja, seus pares. “Sonhos de Trem”, dirigido por Clint Bentley, é um projeto adaptado do livro homônimo de Denis Johnson (que não li), e acompanha a história de Robert (Joel Edgerton) na máxima de retratar uma vida comum de um trabalhador norte-americano que ajudou a fundar o EUA como nós conhecemos e todas as mudanças que o personagem acompanha ao longo de sua vida.

Aqui, há três blocos de desenvolvimento que coexistem de alguma forma, às vezes de forma mais harmônica, por vezes… menos. Existe um desenvolvimento dramático de maior lastro que acompanha essa jornada íntima de Robert, suas conquistas, dores, angústias até sua morte. Também existe uma tentativa de desenvolvimento desse espaço geográfico, enquanto território ou lar, ao menos de Robert, quem realmente interessa no filme. Tudo isso, atravessado pelas mudanças e avanços tecnológicos, afinal acompanhamos desde o final do século XIX até 1968. Existe um interesse em tentar se afastar dessa história com H maiúsculo e olhar essa construção narrativa, e claro, histórica, através desse homem comum, de vida simples e desejo comum. Evidentemente, existe um forte caráter ideológico na forma como essa perspectiva é construída, aliás o recorte temporal é bastante sugestivo e a noção dessa colaboração para a construção da “nação” é inequívoca, ainda que o viés aqui seja de se distanciar dessa perspectiva marcadamente política, a construção não deixa margem para o espectador, estamos diante de um personagem que transita entre esses marcos, ainda que o marco seja reduzido, é a construção de uma ferrovia, que apesar de ser seu sustento, o mantém longe da família, sua verdadeira motivação, que consequentemente o impede de acompanhar o crescimento da filha da forma como gostaria, o afasta da esposa Gladys (Felicity Jones) etc.

Porém, aqui está uma dualidade que compromete “Sonhos de Trem”, se a proposta é interessante, por promover esse afastamento Histórico, ela é frágil por seguir a mesma cartilha ideológica, aliás, o personagem só encontra um mínimo desenvolvimento dramático quando se junta à Gladys e constitui família. A partir desse recorte na vida de Robert, o filme gira em torno desse jogo social perverso, onde o que sustenta a família é sua própria sina, o trabalho sazonal e distante da residência. Assim, quanto mais o filme insiste em trabalhar essa verve de um grande sonho (desenvolvido de forma ideológica também) que possui interrupções, mais o roteiro apresenta dois universos: o de Robert-Trabalho e o de Robert-Família, nesse meio termo procura desarticular sua própria individualidade, até para comprovar sua hipótese, traçada em um fatalismo típico de uma cinematografia que sempre foi balizada pelos extremos: John Ford x Cimino, Clint Eastwood x Malick.

A despeito da enorme diferença entre esses cineastas, em todos os sentidos, há uma costura clara na cinematografia de cada um deles, acerca desse espírito norte-americano, explicitamente ideológico, mas que com as nuances distintas no retrato desse mundo concreto, jamais material (talvez a exceção seja “Vinhas da Ira”, 1940; e em menor grau “O Portal do Paraíso”, 1980), formam um complexo mosaico de espíritos nacionalistas. Clint Bentley opta por uma abordagem que é está entre Malick e uma categoria contemporânea, que poderíamos chamar de “A24”.

Sem o caráter misantropo de um “Brutalista”, que beira o patético, “Sonhos de Trem” é um filme guiado para produzir belas imagens, quadros perfeitos e sequências marcantes, e isso se torna problemático quando vemos cenas inteiras que são mantidas na obra apenas com o intuito de gerar um impacto visual forte, a mise-en-scène estruturada em uma lógica para guiar os personagens para a melhor luz e enquadramento. Enquanto a fotografia, assinada pelo brasileiro Adolpho Veloso, faz o longa se movimentar junto com seu excelente trabalho de composição de luz e imagens, o filme funciona em um ritmo mais fluido, mas quando a direção reconfigura suas ideias para construir esse impacto, o longa parece artificial, moldado para esse efeito e apenas procurando reproduzir um Malick de “Árvore da Vida” (2011), mas sobre esse outro lado de uma história sobre a “construção a nação”. Em teoria, acompanhamos um proletário nessa jornada, mas na verdade acompanhamos o marido e o pai, é como esse processo ideológico enverga o projeto para suas intencionalidades, que ainda que boas ideias, parece se tornar mais um produto comum, na prateleira da art house. A narração de Will Patton só transforma o filme em algo ainda mais fadado a uma fórmula.

3 Nota do Crítico 5 1

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