Solange
Passado e reencontros
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Tiradentes 2023
“Solange”, de Nathália Tereza e Tomás Osten, é um singelo retrato de sinceridade na Mostra Aurora. A atriz Cássia Damasceno toma conta do projeto e domina esse registro que é um estudo de personagem descompromissado com grandes ambições, apenas com a história de nossa protagonista, que vive uma série de lembranças do passado ao retornar para sua cidade e passar na casa de seus conhecidos que estão com objetos pessoais seus.
Essa narrativa já propõe um olhar através do tempo e da vida, atravessando diversos momentos, ainda que não de forma imagética, mas compreendendo a importância de memórias e acontecimentos para uma personagem que vai se tornando cada vez mais complexa à medida que o filme avança. Tal proposta se torna interessante por sua simplicidade, pois acompanhamos um dia completo na vida da protagonista e podemos ter acesso a questões mal resolvidas de seu passado. Contudo, essa estratégia pode ser um fator limitante para uma parcela dos espectadores, já que conta com o registro prosaico como motor da película, necessitando de um determinado engajamento do público.
Assim, a condução procura o singelo ao longo desse cotidiano agitado que Solange atravessa, com tantos estresses e desavenças, parte da intenção da obra é conseguir concentrar seus esforços na beleza de determinados gestos, na amizade, nos reencontros e, especialmente, em como Solange revive e resolve as questões de seu passado. É bonito notar que parte dessa estrutura não se prende em uma exposição de temáticas, mas nas pequenas atitudes da protagonista diante da particularidade de seus problemas. Um exemplo disso é a atitude que deve ser tomada sobre a caixa, repleta de memórias suas, que se torna um empecilho de transporte durante um determinado momento do dia.
Contudo, se “Solange” consegue aproximar o espectador dessa história, o projeto sofre para conseguir engatar uma série de acontecimentos e acompanhar, por exemplo, a partir de uma questão mais concreta desse retorno, ou a própria geografia desses espaços, que sempre parece em suspenso. Funcionando como um conto, deslocado de grandes contextualizações e fixado nesta síntese da representação, o filme é capaz de se movimentar pouco, mas não está interessado em expandir nada.
A fotografia, assinada por Nathália Tereza e Tomás Osten, consegue naturalizar essa breve jornada, sem grandes intervenções na tela e funcionando como um registro imediato dessa passagem pela cidade. Não é uma obra que demonstra urgência para solucionar suas questões, mas as apresenta como ponto de encontro entre esse passado que não temos acesso direto e um presente que se apresenta nebuloso. É na falta de uma resolução clara que o projeto ganha força, pois estamos tão próximos quanto distantes de Solange, como quem procura decifrar os atos e respostas, mas só obtém algo parcial. Essas escolhas transformam a experiência do público em algo cada vez mais subjetivo, criando pequenos recortes para cada encontro, onde poderemos ter acesso à mais uma camada de nossa protagonista.
E é justamente por esses caminhos que a singela sinceridade da dupla de diretores faz total diferença, pois não há um conflito possível de ser solucionado, não diretamente, ainda que possamos observar seus meios de superação.
Um exemplo disso, é a cena em que as amigas estão dividindo cerveja no apartamento. Existe ali uma determinada tensão que parece nunca se dissipar por completo, algum tipo de amargura carregada por Solange, ainda que o sorriso seja mais constante e os afetos mais visíveis. Essa é uma nota constante do projeto, que não expõe todas as questões que perpassam a narrativa, permitindo que o espectador encontre determinadas respostas, sem qualquer compromisso.
“Solange” não se destaca na Mostra Aurora da 26 Mostra de Tiradentes, mas consegue um local particular na memória do público, por ser um projeto que encanta pela delicadeza, sem elaborar desculpas estéticas para algum comprometimento inócuo. Só por essa razão, o filme já se diferencia dos demais, mas essa representação do singelo, como uma prosa que une o passado e o presente, não dá conta de sustentar o longa na mesma nota do início ao fim e alguns altos e baixos podem atrapalhar a experiência do espectador durante a projeção.