Sofia Foi
Doloroso processo
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Cinema de Tiradentes 2024
A exibição de “Sofia Foi”, de Pedro Geraldo, foi sem dúvida uma das mais comentadas e aguardadas da Mostra de Tiradentes 2024, prêmio de Melhor Primeiro Filme no festival FIDMarseille de 2023. É interessante que o um filme que vem de um lugar tão particular, tenha encontrado um público tão solícito à experiência que é projetada na tela, com uma afetividade bem particular e uma forma que se destaca, tanto pela beleza quanto pela consciência de seus sentimentos.
Um plano aberto que registra uma figura que anda pela rua, compreendemos a dimensão de uma aproximação íntima com essa personagem que vamos acompanhar ao longo do filme. É uma das poucas vezes que veremos o enquadramento procurar seu objeto naquele recorte delimitado, pois de forma geral a centralização na imagem não é uma marca característica de “Sofia Foi”, na verdade existe um constante esforço para criar uma espécie de fluxo contínuo de movimentos, sentimentos e sensações. Não por acaso, é um cinema que se equilibra bem entre seduzir seu espectador com a beleza de suas imagens enquanto constrói com cuidado um jogo de percepções densas que se avolumam com a progressão do filme. De alguma forma, isso pode ser prejudicial para alguns espectadores, pois essa estratégia se torna funcional a partir do momento que há uma dilatação do tempo de duração de determinados planos e um relativo relaxamento na progressão dramática da protagonista. Porém, a personagem está longe de ser mal desenvolvida, o problema é que parte do processo envolve algumas sequências que não possuem uma objetividade clara para a narrativa, mas sim para explicitar determinados conflitos vividos por Sofia ou sua forma de enxergar algumas questões ao seu redor, mas sem uma ideia de progressão.
Isso não necessariamente seria um problema caso “Sofia Foi” encontrasse nesses descaminhos, uma forma de explorar seus maiores méritos, que é de conseguir transitar pela imagem sem que a objetiva se mova, ou seja, desfocar a obviedade do objeto no quadro e construir a informação do plano de forma expansiva, quase que obrigando o espectador a percorrer os olhos pela tela procurando as particularidades. O que acontece na verdade, é que esses encontros ao longo da narrativa, tornam-se um lugar comum de pequenas exposições, características da personalidade de Sofia e de uma contextualização local da USP. Também são efetivos como contraste de parte da obra, já que em diversos momentos a protagonista parece se escorar em objetos no cenário, encontrando um apoio para descanso, em uma consciência de linguagem que Pedro Geraldo assume normalmente em closes com uma fotografia bem marcada e alguns fades que transacionam as passagens. Mas a beleza dessa construção não consegue sustentar que há uma dilatação pouco efetiva do filme, que acaba prolongando demais a experiência, indo para um lugar de arrasto para um fim que o espectador já esperava, ainda que de grande beleza e tristeza.
O trabalho de fotografia do projeto merece destaque, em especial em como trabalha com a profundidade de campo em algumas passagens, conseguindo extrair uma difícil dimensão a partir da proposição de “Sofia Foi” que é de conseguir uma dilatação desse contexto local em planos majoritariamente fechados. Outro destaque é que essa condução de um enorme luto só é possível em efetividade, por conta do caráter sugestivo do início da obra, que revela seu fim sem precisar de uma exposição exacerbada.
Ovacionado pelo público, “Sofia Foi” é uma construção de detalhes, que não propõe caminhos e resoluções fáceis, conseguindo relações interessantes entre a base de sua linguagem e suas características mais melancólicas. Funciona muito bem durante a maior parte da projeção, acaba tombando seu ritmo por conta de uma falta de progressão dramática com os breves encontros e contextualizações uspianas, mas consegue destaque na Mostra Aurora desse ano.