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Socorro, Virei Uma Garota!

Socorro, Virei Uma Garota!Socorro Virei Uma Garota

Oh, céus…

Por Pedro Guedes

 

 

Trinta segundos. Este foi o tempo que precisei para concluir que “Socorro, Virei Uma Garota!” certamente estará na minha lista dos piores filmes de 2019. Seguindo a cartilha de praticamente todas as comédias popularescas que vêm sendo lançadas no cenário brasileiro – ainda que este longa, em especial, tenha sido produzido não pela Globo Filmes, mas pela Camisa Listrada –, este é o tipo de obra que estimula o preconceito que boa parte da população tem pelo Cinema nacional, levando muitas pessoas com complexo de vira-lata a atacarem a produção local baseado em filmes assim. Não, “Socorro, Virei Uma Garota!” nem de longe representa o Cinema brasileiro ou o Brasil em si!

Escrito pelo mesmo Paulo Cursino de “O Candidato Honesto 2”, “Os Farofeiros” e “Um Suburbano $ortudo” (perceberam que o prognóstico já não é dos melhores, não é?), o longa nos apresenta a Júlio, um garoto tímido, nerd e antissocial que conta com uma única companhia: a de seu melhor amigo, Cabeça. Após viajar para Búzios e ser humilhado diante do colégio inteiro, Júlio se encontra diante de uma chuva de meteoros e resolve fazer um desejo – o de se tornar a pessoa mais popular da escola. O que ele não esperava, porém, é que o pedido fosse atendido, acordando no dia seguinte sob a pele de Júlia, a menina mais adorada do colégio inteiro. A partir daí, o filme se resume a uma sequência de situações que mostram a protagonista lidando com seu novo estilo de vida.

E da maneira mais chata possível, claro. Aliás, de um ponto de vista puramente estrutural, “Socorro, Virei Uma Garota!” (eu me sinto um imbecil escrevendo esse nome…) não apresenta nenhuma coesão narrativa: os primeiros 15 minutos nos apresentam a Júlio (até aí, ok); em seguida, quando o protagonista acorda transformado em garota, o foco da história passa a ser o esforço de Júlia para tentar voltar ao mundo “real”; depois disso, no entanto, o filme começa a inventar quinhentas situações aleatórias que simplesmente não chegam a lugar algum, como a primeira briga entre Júlia e Cabeça, o concurso de Matemática, a paixão por uma amiga da escola e por aí vai.

A impressão que fica, inclusive, é de que o roteiro se esqueceu sua premissa original (fazer Júlia voltar à vida que tinha antes), soando mais como um emaranhado de esquetes sem graça e amarradas de maneira inconsistente. Mas o fundo do poço chega nos últimos cinco minutos de projeção, quando uma personagem nova (e que, até então, não tinha sido sequer mencionada) é introduzida de última hora e tentando criar um draminha com Júlia – ora, por que eu me importaria com este drama se ele não foi sequer construído direito ao longo do filme? Como se não bastasse, o roteiro de Cursino falha em praticamente todas as piadinhas que tenta fazer e ainda comete o erro de explicar para o espectador, através de diálogos dolorosamente expositivos, o sentido de cada uma destas gags, apelando para frases óbvias e repetitivas sempre que possível.

Mas o mais irônico é perceber como “Socorro, Virei Uma Garota!” tenta posar de desconstruído e empoderador sem nunca fazer jus às intenções que diz ter. Por exemplo: em diversos momentos, Júlia diz estar finalmente entendendo como é ser uma mulher em uma sociedade machista e como é impossível, para o homem, compreender a realidade feminina (ok, isso é válido); o problema é que, nos momentos mais cruciais da história, a postura feminista de Júlia surge na forma de tropeços morais (como no instante em que ela acusa Cabeça de ser machista só para chamá-lo de “babaca” em seguida), pintando o discurso empoderador de maneira negativa. (Isso porque nem considerei a forma como Cabeça tenta beijá-la e agarrá-la o tempo todo, caracterizando-se como um assédio. escancarado, mas que o filme não parece reconhecer como tal.)

Para piorar, “Socorro, Virei Uma Garota!” ainda se vende como uma obra pró-direitos LGBTs, porém demonstra uma postura homofóbica em diversos pontos da narrativa: sim, Júlia é declaradamente apaixonada por sua melhor amiga e o roteiro reconhece isso como uma paixão homoafetiva, o que é bem-vindo (afinal, quanto mais histórias sobre relacionamentos LGBTs, melhor); em contrapartida, isso é contrabalanceado pela quantidade de piadinhas que são feitas ao longo do filme e que servem justamente para ridicularizar, por exemplo, mulheres lésbicas (chamadas de “sapatões” pelos personagens) e o caso que o pai de Júlia teve com um rapaz chamado Jorge (não, sério: quando ele decide contar isso para a filha, fica claro que a obra está claramente querendo rir da situação, como se fosse ridícula). Além disso, quando o longa está finalmente prestes a mostrar duas pessoas do mesmo sexo se beijando, o diretor Leandro Neri interrompe a ação e impede o espectador de contemplar o beijo em si, num sinal de extrema covardia.

No fim das contas, “Socorro, Virei Uma Garota!” é uma comédia boba, esquemática e vergonhosa que se julga desconstruída, mas que apenas reforça diversos estereótipos. E se demorei a citar o nome de Leandro Neri, é porque seu trabalho como diretor é medíocre demais para merecer mais destaque. Dito isso, é importante ressaltar algo: dá para perceber que Thati Lopes (a Júlia), que co-protagoniza o filme ao lado de Victor Lamoglia (o Júlio), é uma atriz com consciência humorística e com um timing cômico que poderia funcionar em um projeto um pouquinho melhor. O problema, portanto, é que o longa em questão acaba desperdiçando o potencial da atriz, transformando-a em uma sub-Tatá Werneck. (Ah, um detalhe: esta é a segunda comédia nacional – ruim – que vejo em 2019 e que traz como melhor amigo da protagonista um menino chamado Cabeça. A primeira foi o péssimo “Eu Sou Mais Eu”. Notaram que há um padrão aqui?)

Incapaz de provocar uma única risada ao longo de seus intermináveis 110 minutos de duração, “Socorro, Virei Uma Garota!” ainda comete o erro de ser muito, mas muito mais longo do que precisava ser. Se o filme durasse… digamos, uns 109 minutos a menos, talvez representasse uma experiência infinitamente mais agradável para o espectador.

1 Nota do Crítico 5 1

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