Sessão Bruta
O que está por vir
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Tiradentes 2022
O vencedor da Mostra Aurora da 25ª edição da Mostra de Tiradentes, está longe de ser uma unanimidade entre o público que conferiu a competição. “Sessão Bruta”, de As Talavistas e ela.ltda, é um filme que está sempre por fazer, em um processo ilimitado de inícios, meios e fins. Demonstra a força dos depoimentos como parte da estrutura narrativa e deposita nas imagens produzidas em casa, uma força que parece transcender a fixação de imagens pré-produzidas, dando lugar ao movimento constante do cinema em si. Desta forma, o longa é um diálogo direto com a proposta temática da atual edição, “Cinema em Transição”, que compreende a história do cinema a partir de suas mudanças, mas admite que a atualidade provoca uma ruptura ainda maior.
Os curadores das Mostras produzidas pela Universo Produção, vêm se debruçando na questão da mutabilidade da autoria, das formas de produção e das imagens. Nos últimos anos, debateram a internacionalização do cinema brasileiro, a virtualidade das imagens, a vigilância, as múltiplas transições que ocorreram nas últimas duas décadas, inclusive na forma de armazenar arquivos e dados.
“Sessão Bruta” é uma obra peculiar que figura na Mostra Aurora, não apenas por se distanciar dos demais longas exibidos, mas por trabalhar um certo “não-lugar” dos espaços, das imagens, do gênero e de sua própria realidade. Em constante mutação, sempre por fazer, com mais inícios que meios, o filme não possui uma matéria que sustente seus caminhos ou descaminhos. Essa volatilidade da experiência, faz com que o espectador dificilmente chegue ao fim da projeção com indiferença. Porém, é justamente essa provocação que permite uma série de sequências emblemáticas aqui, desde o depoimento que explica os lugares de seus corpos, os trabalhos artísticos e o meio das categorizações sociais. Trata-se de uma margem literal, de suas personagens centrais e da própria obra enquanto cinema, uma espécie de materialização dos anseios e lutas que escutamos discutirem. Se contrapondo aos fetiches imagéticos de estruturas expositivas desses corpos, onde a política se torna uma meio de reverberação da liberdade individual, o projeto de As Talavistas e ela.ltda é assumidamente coletivo.
Como uma síntese da temática trabalhada e uma expressividade particular capaz de discutir diversos temas sem sair de sua experimentação base, “Sessão Bruta” circula seu espaço entre os tempos de performances, falas e montagens de cena, ora como desfile, ora manifestação. Porém, o eixo central é justamente as experiências e um cotidiano tomado pelo diálogo, pela troca e as histórias que se amontoam e mostram a força de cada uma das protagonistas. Enquanto as cores projetam a mutação constante de sua própria linguagem, a Mini-DV mantém um formato íntimo dessas relações. O espectador é atirado para um universo tão único que não sabe onde começa sua intrusão e onde termina o convite. E tal efeito é provocado pela constante ruptura dos espaços através de uma câmera que não possui uma objetividade pragmática, muito menos uma reprodução estilística, e por uma montagem que assume os diferentes ritmos de suas sequências. É um longa de tantos prólogos, como a sinopse indica, que seus desejos parecem se materializar diante do espectador no próprio ato de revelá-los.
“Sessão Bruta” será tematizado com alguma frequência para fomentar o debate de uma autoria que não se consolida por uma forma particular, mas sim pela dissolução de uma unidade. Se apresentando mais como um sintoma da multiplicidade da realidade e da fragmentação social que uma característica do contexto político, do debate crítico, a ideia de um cinema- processo, de transição das formas de produção e estéticas que se encontram em atrito com o registro bruto, acaba dando lugar à uma fragmentação que remonta certos moldes acadêmicos, anteriormente tidos como rupturas. A interpretação das relações como imagens parte desse movimento de constante crise e hibridismo, provocou um suposto vício formal.