Seres, Coisas, Lugares
Entre impressões
Por Vitor Velloso
Festival Estação Virtual
Presente no Festival Estação Virtual, “Seres, Coisas, Lugares” de Suzana Macedo é uma obra que transita em múltiplos campos do cinema. Inicia como um documentário de caminhos transitórios, expondo parte da trajetória que a obra vai percorrendo, passa a costurar com textos impressos na tela e diversos dispositivos textuais para dialogar com o próprio diagnóstico apresentado pelos personagens. A cultura como questão materialista salta à tela entrelaçando história, memória, matéria. Os nomes são grafados no ecrã, dividindo o espaço com os seus protagonistas.
É uma atitude que não secciona o povo de suas falas, mas possui acordo de tradução, processo trans-criativo entre dois campos que se cruzam no experimental. Indo atrás dos movimentos que marcaram o enquadramento, uma assimilação de Frampton à Brakhage, nas silhuetas de uma “Lavoura”, entre Nassar e Guimarães Rosa, essa geografia vai se misturando em diferentes monumentos de representação que “Seres, Coisas, Lugares” apresenta como parte de um objeto cinematográfico. Por essa razão, o espectador pode ter a sensação da objetificação dessas histórias e pessoas, aliás, o título não perdoa neste encaminhamento. Porém, esse julgamento pode surgir com uma velocidade maior do que a obra está querendo compreender. A ordem não é que esses objetos estejam na tela, mas sim que essa tradição da oralidade pode ser compreendida como parte de uma esquemática entre a poesia, a imagem e o cotidiano. É essa grafia que articula uma série de possibilidades entre o tempo e o espaço, como marcas da matéria.
As histórias de namoros diversos, os nomes das coisas, a música, o canto de trabalho, o improviso, tudo isso passa por uma consciência que credita a realidade acima de qualquer representação mais pragmática. Não à toa, seus personagens não possuem uma permanência definida entre os dispositivos, são suas falas e os dispositivos que, amparados pela montagem, possuem essa cadência que transita da palavra falada à escrita como verdadeiras materializações da “poesia” que ocorre no local. Está certo que a atitude soa arbitrária em diversas ocasiões e a simplicidade dos detalhes é exposta em dado como Suassuna profetizava, em farsas e verdades conjugadas.
“Seres, Coisas, Lugares” é uma experiência agradável, que persegue algumas resoluções formais que podem ser vistas como empecilhos de ritmo, mas sem cair nas armadilhas prosaicas da idealização, pelo contrário, se permite uma diálogo entre “Brasis” que está no cerne de um barato cultural pouco carregado na objetiva. São poucos as frentes que colocam a obra homônima de Décio, mas a citação de Guimarães que abre o filme é uma adendo que o público carrega até o fim da projeção.