Senhoritas
Sexo, um pouquinho de drogas e a reinvenção na terceira idade
Por Clarissa Kuschnir
Assistido presencialmente no Festival Cine PE 2025
Quem nunca teve uma amiga “dapavirada”, ditado popular que remete uma pessoa com comportamento assanhado, ousado, impetuoso e outras “cositas” mais. E essa amiga daqui é Luci, papel vivido pela atriz Tânia Alves (sempre ótima e irretocável) em “Senhoritas”, que teve sua estreia no Brasil na 29ª edição do Festival Cine PE 2025, é essa dapavirada, que retorna para Recife, depois de anos morando fora do país e reencontra Lívia, protagonizada por Analu Prestes, uma de suas melhores amigas, da época da faculdade.
Depois de ter sido premiado no Festival de Biarritz 2024, “Senhoritas”, primeiro longa de ficção de Mykaela Plotkin, parece ter agradado o primeiro público brasileiro, no evento pernambucano, que teve a oportunidade de assistir, e que ganhou os prêmios de melhor direção, direção de arte (uma das primeiras coisas que chamaram a minha atenção na obra) para Ana Maria Abreu e ator coadjuvante para Genézio de Barros, no papel do marido de Lívia. E eu acho que apesar de não ter me despertado tanto a atenção em seu roteiro, o longa tem seus méritos, com boas interpretações e um apelo popular em colocar nas telas personagens da terceira idade se reinventando e mostrando que é sempre tempo para ser feliz. Seja no casamento, com a família, amigos e até no sexo.
Sexualidade é um dos principais temas do filme, que ousa nas cenas sensuais, o que eu acho muito bom, pois precisamos dessa diversidade nas telas. E as cenas funcionam de modo muitos fluídas. Há uma química natural entre os atores, em especial a protagonista Analu Prestes, cuja carreira ultrapassas 50 anos entre TV, cinema, teatro e cenografia, disse na coletiva de imprensa no Cine PE (foi a primeira vez em que a atriz faz cena de nudez e sexo no cinema). Sim, um avanço, mas para mim este longa-metragem peca no texto pela ingenuidade em construir uma personagem que além de mãe, avó, dona de casa, foi uma grande profissional. Achei que isso ficou um pouco em segundo plano. Poderia ter sido melhor trabalhado. Eu me perguntei como uma mulher que foi tão independente no passado a princípio se mostra frágil, vivendo uma vida pacata (nada contra), cuidando de sua neta e sem grandes eventos em sua vida atual.
Em “Senhoritas”, tudo parece excessivamente perfeito, em seu mundo. Seu marido é um “fofo”, como se diz por aí e não há nem sinais de machismo em sua personalidade. Senti falta deste conflito, com o personagem masculino, o que não acontece com sua filha (interpretada por Clarissa Pinheiro), que começa a estranhar o comportamento da mãe. Ou seja, tudo vai muito bem, em sua bolha, até a chegada de Luci, que aos poucos consegue convencer Livia a sair, fazer curso de dança, se encontrar com a turma que não dispensa uma maconha de vez em quando e ir ao sex shop, para apimentar sua vida sexual.
E em todas essas mudanças, a personagem se vê em conflito tendo até que mentir para o marido, para fazer suas aulas de dança. Como se fosse uma adolescente mentindo para os pais. Mas o que para mim que senti esse estranhamento, pode funcionar para seu público. E eu espero que “Senhoritas” quando chegar em circuito comercial possa ter seu espaço em nossas telas, pois pouco se aborda a chamada melhor idade em nosso cinema. E são filmes assim que servem como reflexão do tema, dos preconceitos em relação a tudo o que se pode viver após os 70 anos, e da quebra de tabus. Afinal, a vida está aí para ser vivida, e no seu melhor.
Se a medicina está cada vez mais avançada nos trazendo a esperança de uma longevidade porque não colocar o tema nas telas, com histórias universais, mesmo sabendo que o Brasil ainda é um país tão incerto no quesito previdência social. Fora essas questões que abordei, é muito bom poder ter personagens em “Senhoritas” para se identificar e se sentir representando. E na nossa cinematografia (muito mais nos longas que nos curtas-metragens) falta um olhar um pouco mais apurado, tanto para o público juvenil quanto para a o público acima dos 60 anos. Nesses últimos anos poucos títulos nacionais (lembrei-me de “Horizonte”, de Rafael Calomeni) que trazem para as telas a ressignificação da terceira idade. E sim, precisamos falar sobre isso, porque isso será o nosso amanhã.