Sementes – Mulheres Pretas no Poder
Defender o debate
Por Vitor Velloso
“Você veio assistir a posse?”, “Não, eu sou deputada”, “Mas você veio assistir a posse?” “Não, eu sou a deputada, eleita”
Ah não, não existe racismo no Brasil.
“Sementes: Mulheres Pretas no Poder” de Julia Mariano e Éthel Oliveira, não é apenas um documentário que trata da campanha política de mulheres pretas, nem mesmo um panfleto como reacionários irão tentar resumi-lo. Trata-se de um documento de suma importância para o cinema brasileiro e para o Brasil, onde temos ali o registro de uma realidade, fora do cinema, maior que o cinema, mais complexo. Compreende a estrutura negligente e assassina que impera no país, neste trópico subdesenvolvido, e reorganiza através da obra, o olhar que devemos ter para uma movimentação política que está ancorada em algo mais denso que o ano de 2018. Essa ancestralidade, que se vê obrigada a ocupar um lugar que outrora assassinou seu povo, para dar voz a luta de um povo.
Se a estrutura do filme é compreendida através deste tempo real, que nos mostra a campanha, a apuração, a posse etc é possível discutir algo que está muito fora do arremate cinematográfico de uma obra, uma História que não cabe aqui, mas que encontra em suas representantes, o vigor necessário para que possamos, ao menos, abrir o diálogo. Talíria Petrone, Renata Souza, Rose Cipriano, Tainá de Paula, Jaqueline Gomes e Mônica Francisco são essas representantes.
Essas mulheres que compreenderam que a organização de uma luta política não pode ficar apenas em uma rinha ideológica de bar, é necessário estar na base do poder para que o povo tenha vez. Bom, divergências ideológicas com algum discurso eventual, todos de origem democrática, aconteceram, o que é natural e proveitoso. Porém, a força que é demonstrada por todas essas mulheres, pelos apoios que receberam (com alguns conhecidos meus ali presentes) é no mínimo contagiante. Suas lutas operam em instâncias diferentes da maioria do Congresso (que deveria representar o povo), e não por estarem paralelas à objetividades democráticas, mas por serem portadoras de uma ancestralidade tamanha, que incorpora em si uma urgência que não se encontra ali, naquela casa.
Se o assassinato de Marielle torna-se objeto de princípio no documentário, é por compreender que o momento do crime, tornou um basta necessário para que houvesse mudanças nessa estrutura de poder. E com essa forma, “Sementes: Mulheres Pretas no Poder” opera a linguagem como um produto mais comercial, com o perdão de qualquer conotação que a palavra tenha, recortando matérias jornalísticas, inserts diretos e concretizando uma espécie de “matéria”, o que reforça a compreensão da obra como um registro dessa movimentação política e social.
“Já temos um candidato.”
“Ah, por curiosidade, qual?”
“É do NOVO”
É claro que ao falarmos do filme, estamos falando desses recortes específicos, de momentos na vida dessas mulheres e não está ali compreendido parte de suas propostas enquanto representantes do povo, o que não se faz necessário já que a base de seus partidos está disponível para todos consultarem na internet e o documentário derruba qualquer apreensão canhestra de “panfletagem” exatamente por não estar enaltecendo suas propostas, sim, suas vidas, suas lutas e as dificuldades de estarem à frente de um combate contra o reacionarismo, a violência e a estrutura racista e machista que domina nosso país.
Caso o leitor ou espectador esteja assistindo algo que possua cunho ideológico…Pasmem! É isso mesmo.
Aos cinéfilos de carteirinha, aqui presentes: Fixar sua câmera, apontar para sua parede e ler algum poema concretista também é ideologia filmada, burguesa.
“Sementes: Mulheres Pretas no Poder” possui a energia necessária e um ritmo veloz que consegue atrair tranquilamente um público grande, o que é ótimo. Julia Mariano e Éthel Oliveira fazem um trabalho didático e dialético, compreendendo as duas coisas como essa forma materialista que está inserida na nossa realidade, não apenas no filme.
“Mas nunca vou passar pano pros que negam de onde vêm. Veja bem, ser de favela não é vergonha pra ninguém. Eu aponto e bato palma na sua frente. Então pensa bem, vou fazer diferente. Eu tô na batalha, sempre na rota da frente. Eu inspiro manos que são igual a gente. Isso é mercado negro. Eu tô igual a Fenty, tudo que eu tenho eu pretendo passar pra frente. Hoje me olham e competem tête-à-tête .Antigamente me compravam pelos dentes”
Ebony. Confio.