Sanguessugas – Uma Comédia Marxista sobre Vampiros
Analogias entre os reflexos de classe
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de SP 2021
“Sanguessugas – Uma Comédia Marxista sobre Vampiros” é um filme tão estranho quanto o título propõe. Necessariamente menos marxista para fazer sua comédia funcionar sem grandes debates que iriam falhar com a progressão, o longa de Julian Radlmaier mistura é a comédia sobre a “luta de classes” em um ambiente fechado, aristocrático e burguês, onde o proletário soviético com o sonho de ir à Hollywood entra em conflitos amorosos com o mordomo ao disputar o amor da senhorita Flambow-Jansen. Apesar da sinopse categorizar a obra como uma “comédia política sobre vampiros”, a coisa é menos complexa que parece. Não existe uma discussão aqui, apenas a exposição dessa relação de classes e como a aristocracia, em decadência, menospreza a burguesia, que estava em processo de ascensão, e ambas insultam constantemente os trabalhadores.
Talvez o elemento que mais funcione diretamente nessa grande sátira, seja justamente o citador, que para aproximar-se do poder, procura encantar a todos com suas citações constantes, a fim de demonstrar o profundo conhecimento que tem do pensamento dos outros. O personagem se torna um divisor de águas não apenas à comédia em si, mas para a narrativa, já que sua chegada mexe por completo com essas relações que se moldam no interesse e nos desejos reprimidos. “Sanguessugas – Uma Comédia Marxista sobre Vampiros” investe em piadas que envolvem os desejos frustrados do refugiado soviético, sua relação com Eisenstein e seus problemas políticos com o país por conta de divergências políticas. Tudo isso é costurado por algumas leituras marxistas coletivas que a montagem insere com alguma frequência em um esquema próximo a “O vento do Leste” (1970), menos prolixo e mais engraçadinho.
O problema é que essa grande quantidade de elementos, que possui a ameaça vampiresca na região, nunca funciona muito bem ao ponto de justificar essa projeção fragmentada e pouco objetiva em sua construção. Por mais que consiga ser genuinamente engraçado em algumas situações, como quando situa que os trabalhadores são incapazes de comprar o produto que fabricam e precisam contrabandear com um chinês à beira da praia, tudo soa apenas uma inserção rasteiramente política para se criar algum contexto que essas relações entre a classe sejam atravessadas pela questão vampiresca. Existem diversas analogias aqui, a própria questão do espelho é vista como uma síntese dessa consciência social. A figura do ator falido se torna uma parte do imbróglio da alta sociedade já que o jogo da sedução termina na produção de um filme sobre vampiros e desejos retraídos, levando a diversos julgamentos pouco amistosos. Ainda assim, essa estrutura cadenciada de “Sanguessugas – Uma Comédia Marxista sobre Vampiros” até vai funcionando por um tempo, como uma ironia desengonçada, tropeçando nas próprias cenas e fazendo humor com os erros de seus personagens.
Acaba sendo um projeto turbulento no funcionamento e com linguagem bastante comum ao que vem sendo produzido no gênero na Europa, especialmente na Alemanha, a estilização do humor sem expressões, pouco físico (com exceção do mordomo e do citador), que aposta na esquisitice de suas situações para desenvolver a comicidade através dos desajeitados e da monotonia. Como o subgênero instalado ao longo dos últimos anos, possui bons momentos e o rigor do cinema alemão nas composições entre o estoicismo e a ironia, sem grandes interrupções nesse fluxo. A grande questão é que depende diretamente do espectador para que essa proposta funcione na íntegra, nesse estilo particular que possui tantos altos e baixos que a experiência é sempre pautada pelos seus ápices, que não são muitos, mas salvam o longa.
“Sanguessugas – Uma Comédia Marxista sobre Vampiros” teve um atraso considerável para ser liberado, pelo mesmo motivo de “O Compromisso de Hasan”, a legenda estava comprometendo por completo o filme, mas quando foi disponibilizado tudo estava na perfeita ordem e a Mostra de São Paulo escolheu um filme que assim como “Eu não me importo se nós entrarmos na história como bárbaros” mantém uma certa tradição das comédias europeias que ironizam parte do passado de seus países sem um revisionismo histórico que não atravesse alguma crítica.