Rua do Pescador, Nº 6

O real da tragédia anunciada do Rio

Por Clarissa Kuschnir

É Tudo Verdade, Festival de Gramado e Festival do Rio 2025

Rua do Pescador, Nº 6

Há um pouco mais de um ano o Rio Grande do Sul viveu uma das maiores enchentes de sua história, causadas pelas fortes chuvas que atingiram praticamente 95% das cidades gaúchas.  A tragédia que foi decretada como “a pior catástrofe climática da história” pelo Governo do Estado deixou milhares de desabrigados, desaparecidos e quase 200 mortos, provocou comoção no país, que se mostrou solidário. E sim, apesar de estarmos caminhando por um país que na minha opinião está cada vez mais polarizado na questão da política, o povo brasileiro ainda é visto como solidário. E neste caso aqui do Rio Grande do Sul, vimos a comoção em massa com doações de todos os tipos. Afinal de contas uma parte da população gaúcha se viu sem absolutamente nada. Recentemente quando estive em Porto alegre pude ver com os meus próprios olhos, resquícios do estrago. Inclusive, muito próximo da conhecida Casa de Cultura Mario Quintana havia uma placa dizendo que a água havia atingido exatos 1,60 de altura.  E em muitos lugares, muito mais do que isto. Ou seja, a cidade desapareceu em meio as chuvas torrenciais que não deram trégua, durante o mês de maio de 2024.

Vendo a cidade hoje, é difícil de acreditar no que aconteceu. Sendo assim, a atriz e cineasta gaúcha Barbara Paz embarcou para a região com seu equipamento e mais uma equipe de seis pessoas, a fim de registrar na guerrilha o estrago e mostrar de perto, o drama vivido pela população. Durante o seu curto tempo de 70 minutos, em “Rua do Pescador, nº 6”, o olhar de Barbara se foca na população do arquipélago da Ilha da Pintada, uma região periférica e uma das que mais sofreram perdas com as enchentes. E através do olhar de sua câmera Barbara percorre a comunidade ribeirinha em um barco onde encontra muitas histórias. No começo tudo é silencio, demora para até que se comecem as falas. Há imagens do retorno da equipe meses depois para ver o trabalho de reconstrução, e a paleta escolhida pelo diretor de fotografia Bruno Polidoro é um primorosa fotografia em preto e branco, com nuances. Porém o primoroso nem sempre é para mostrar as coisas belas da vida. E é para isso que o cinema também se propõe.

Aqui em “Rua do Pescador, nº 6”, tudo é uma luta de sobrevivência, destruição, pessoas tentando sobreviver, animais desesperados correndo de um lado para o outro tentando subir em telhados de casas na busca de um resgate. Assim como vimos nas reportagens de TV na época. Porém ali é o cinema do real. Em meio as imagens do documentário, o medo paira no ar, com uma população sem saber o que vinha no dia seguinte. Mais chuvas, mais perdas? E nós acompanhamos como se estivéssemos neste lugar. Em muitas cenas há um desconforto.  E isso tudo de uma forma muito natural, sem sensacionalismo. Pelo menos para mim, foi assim que funcionou.  Por falas dos personagens, Barbara não deixa de cumprir seu papel como uma realizadora que foi ver bem de perto a tragédia sem deixar o fato denúncia de lado, onde as imagens falam por si só.

É o cinema realidade que deixa como mensagem ao mundo que a natureza está pedindo socorro, há muito tempo. Que o aquecimento global, as queimadas, os desmatamentos estão causando e ainda causarão grandes tragédias. E isso, e diretora deixa bem explicito, logo nas imagens iniciais de sua obra, apesar de haver personagens que depositam muito suas falas, as causas religiosas, as punições, contrariando assim, a lógica. Mas os acontecimentos climáticos estão aí acontecendo o tempo inteiro, as cidades estão cada vez mais quentes e só não vê, quem não quer. “Rua do Pescador, nº 6” ainda se complementa com uma bela montagem sob a direção de Renato Vallone. É um filme que tem que ser visto por todos, e que acena como um documento de uma tragédia que deve ser vista como aprendizado para que futuras gerações e dirigentes de todo nosso Planeta Terra possam se conscientizar, da importância de se antecipar as futuras e grandes tragédias climáticas.

4 Nota do Crítico 5 1

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