Rodson ou (Onde o Sol Não Tem Dó)
A estrutura e a forma
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra CineBH 2020
“Rodson ou (Onde o Sol Não Tem Dó)” de Cleyton Xavier, Clara Chroma e Orlok Sombra é um filme de densidade ímpar. Com um grau de inocuidade tamanho. O paradoxo é gerado em termos práticos de como a linguagem se torna o próprio longa, sem grandes recorrências que atravessam essa proposta. Neste aspecto, deve-se exaltar o ímpeto de construir uma trama com verves concisas do tupiniquim udigrudi neon dos bit. E o longa carrega esse brio consigo, sem deixar a peteca cair, a epilepsia de última geração vem como monumento estético contra o renascentismo burguês da produção contemporânea. Mas reforça “Insert Coin”. Sinais da desidratação nacional em pleno pré-3000.
Nossa última barricada cultural se tornaram os bits, em inglês, em uma estrutura genérica, onde o formalismo venceu e a arte foi sufocada. Não há como negar que as formas de “Rodson…” advém de um sufocamento de uma padronagem burguesa conservadora à formalismos burgueses progressistas (em geral, liberais). É onde a representação acha o cenário ideal, a concessão perfeita para os tomos políticos de um país gangrenado pelo subdesenvolvimento e o eterno anseio homogeneizado da classe dominante em um positivismo tacanho e progressivismo de quinta. A indústria acha seus espaços, se torna dominante. E aquilo que corre em paralelo, vira ponta de lança da produção marginalizada por lados distintos do polo econômico e social, mas essa referência rapidamente encontra seus cenários ideais para serem alçadas como movimento. Outro problema da luta de “resistência”, as lutas são absolutamente individuais, mas o sebastianismo tupiniquim urge em tornar a sequência, uma unidade a ser seguida, não como organização de luta, apenas um encaminhamento coletivo.
E ainda que “Rodson ou (Onde o Sol Não Tem Dó)” se esforce para não se tornar alienado diante do próprio produto dos bits, acaba caindo nos versos corriqueiros em torno dessa forma única exclusiva como a própria estrutura narrativa do filme, sem uma concepção que a dimensiona para uma mise-en-scène exterior. Pelo contrário, o projeto está o tempo inteiro lutando contra essa ideia, fragmentando o tempo, seccionando os espaços, “criando essa materialidade”. E este tópico é algo que já comentei anteriormente, um fator de revelia burguesa onde a dialética é um objeto particular de casos isolados e temáticas específicas, não uma totalidade. Claro, podemos trabalhar a ideia de que essa nova proposta de ser capaz de criar essa base, abre fronteiras incríveis para trabalhar a ideia, o discurso, a forma (caso aqui), mas não é gênese divina e esse ato não vem de uma deidade. Há um discurso particular direcionado, uma classe que viabiliza essa “criação”.
Cabe a ressalva que o filme não é reacionário, nem se estabelece em vias políticas a ponto de um debate em torno de seu próprio discurso. Nesse caso, é sintomático uma exposição ramificada, quase programada, em torno de como o conservadorismo e o liberalismo crescem em um Brasil pré-futuro. É o tom pronto, pré-definido, onde estabeleceu-se paradigmas isolados, dados, que são transformados nos bits de “Rodson”. Não seria absurdo dizer que a experiência do longa se aproxima da esquizofrenia generalizada da internet, com a tônica de suas páginas, onde se tornam discursos progressistas ou reacionários e passam a invadir a própria estrutura do filme. Nada está a salvo. É o bombardeio formal desse gatilhos simples e diretos, que fazem um manifesto reduzido de questões complexas.
Mas se por um lado o filme acaba seguindo a cartilha pragmática de uma composição política representativa, consegue ao menos se tornar único em como faz isso. Pois parâmetros são difíceis de achar aqui e neste campo, é inviável não reconhecer algumas de suas potências, a partir dessa própria forma caótica que se permite ser única e unilateral. Nesse mar de preguiça que o cinema vem vivendo, “Rodson ou (Onde o Sol Não Tem Dó)” acaba conseguindo particularidades interessantes, mas cai numa maresia programada e entediante. Querendo ou não, é a última da virtualidade e dos discursos limitados, apenas acredito que assim como o realismo fantástico, é necessário pensar as vias e seus caminhos.