Roberto Farias – Memórias de um Cineasta
Recorte histórico
Por Vitor Velloso
Festival do Rio 2023
“Roberto Farias – Memórias de um Cineasta”, dirigido por Marise Farias, filha de Roberto, é um importante documentário que procura traçar a vida e brilhante carreira de Roberto Farias pelo cinema brasileiro. O longa se baseia, parcialmente, em um livro encontrado por Marise, que contém memórias e escritos do cineasta, onde Reginaldo Faria, seu irmão, realiza uma leitura do documento e uma grande quantidade de material de arquivo é apresentada ao público para contextualizar uma narrativa que segue uma cronologia linear, desde sua infância em Nova Friburgo até os anos que esteve à frente da Embrafilme, e claro, seus filmes.
Apesar da carreira pública, o trato da obra é de intimidade familiar, o que dificilmente seria diferente, já que sua família ajuda a construir o documentário. Essa grande proximidade, que passa pela narração em off e compartilhamento de uma série de memórias com o protagonista, não atrapalha diretamente o desenvolvimento de “Roberto Farias – Memórias de um Cineasta”, pelo contrário, traz uma distinção da maioria dos projetos que se debruçam sobre a vida de grandes personalidades do cinema brasileiro. Contudo, é necessário frisar que parte das polêmicas de Farias à frente da Embrafilme são tratadas de forma superficial, citadas como nota de rodapé e, no máximo, nomeando as figuras mais públicas que o atacavam. Até para fazer jus à fama de democrata convicto, um dos recortes do material de arquivo contém a absoluta aceitação das críticas que recebia, sem citá-las diretamente. Nesse sentido, como registro histórico das políticas públicas e polêmicas envolvendo o órgão e sua direção, o filme é acrítico e se mantém distante de qualquer aresta.
Porém, como registro de um momento do cinema brasileiro, assim como biografia de uma figura de suma importância para toda a história de nossa cinematografia, é um retrato de síntese ímpar, pois é capaz de costurar décadas de carreira, e contextualizar a mesma, em um curto período de tempo. O material de “Roberto Farias – Memórias de um Cineasta” é riquíssimo, contendo desde materiais pessoais até discursos públicos, recortes de filmes e ineditismos. O problema é que essa condução é feita a partir da forma programática de falas em off e uma montagem que procura levar alguma poesia para esse retrato pessoal. Tal recurso já encontrou sua saturação na produção brasileira há algum tempo, após ser mais popularizado, ou vinculado, com o estilo de Petra Costa (Elena, 2012; Democracia em Vertigem; 2019). As diferenças são grandes, mas os dispositivos são próximos e acabam fazendo com que um filme sobre um cineasta tenha pouca criatividade no seu trato formal, mas nada que comprometa diretamente o projeto. Sem dúvida, alguns planos de projeção dos filmes de Roberto em lençóis ao ar livre, trazem algum charme para a produção, fazendo com que a experiência possa ser compartilhada tanto no campo familiar, quanto no tamanho que a cinematografia de Roberto possui para o cinema brasileiro.
Nesse sentido, um importante capítulo da história do cinema nacional se encontra representado aqui em “Roberto Farias – Memórias de um Cineasta”, ainda que o recorte tenha esse lado particular e íntimo. Em diversos momentos é possível escutar o diretor comentando sobre algumas questões envolvendo seus filmes, tanto seus desejos como realizador, suas revoltas como brasileiros e motivações pessoais que o levou a dirigir determinados projetos. Em um desses momentos, o protagonista fala sobre “fazer o filme possível”, algo tão belo quanto doloroso, dado o contexto que o Brasil vivia. Aliás, a possibilidade de interpretação ambígua da frase, é uma característica que acompanhou sua carreira, de maneira mais ou menos intensa, entre algumas polêmicas de sua passagem na Embrafilme, o que poderia dimensionar uma nova camada há uma obra que, por vezes, parece perder o brilho próprio diante de seu encantamento pelo objeto. É uma pena que algumas complexidades acabam se perdendo nesse processo, mas é belo que para além da admiração familiar, Marise explicita sua paixão pelo cinema do pai.