Direção: Georges Gachot
Roteiro: Georges Gachot
Depoimentos: Dorival Caymmi, Nana Caymmi, Maria Bethânia, Erasmo Carlos, João Donato, Gilberto Gil, Antônio Carlos Jobim, Milton Nascimento
Fotografia: Pio Corradi, Matthias Kälin
Edição: Ruth Schläpfer
Produção: Georges Gachot
Distribuidora: Imovison
Duração: 85 minutos
País: Suíça / França
Ano: 2010
COTAÇÃO: MUITO BOM
Confesso que eu nunca fui fã da cantora Nana Caymmi. Quando assisti ao seriado de televisão “Hilda Furação”, achava o tema de abertura chato. Então, o que esperar de um documentário sobre a artista, filha de Dorival Caymmi? Fui à cabine de imprensa, já que tinha perdido a exibição no Festival do Rio de 2010. Qual foi a minha surpresa ao acabar o filme? Nana ganhara um novo seguidor. É engraçado que quando se conhece a interprete, as músicas ganham uma maior importância. Vendo “Rio Sonata”, do diretor Georges Gachot (de “Maria Bethânia: Música é Perfume”), descobri o que me incomodava na música mencionada acima: o arranjo.
A voz de Nana é incrível. Frustrei-me por não a ter conhecido antes. Mas nunca é tarde. E esse documentário serve como forma de lembrança aos que já gostavam, como forma de incluir novos fãs e como forma de saber mais sobre as idiossincrasias desta cantora maravilhosa. Logo de início, as músicas e imagens nostálgicas – e de resignação existencial – pululam a tela, mesclando o amadorismo pessoal – e cotidiano – com o mundo que Nana vive, englobando seus shows, seus seguidores, seus ensaios, suas gravações e seus óculos. O longa deseja transmitir a ingenuidade da época antiga. Hoje vivemos a pressa da imagem editada e a correria das ações banais.
Naquele tempo não, o período dos festivais de música da Record, nos idos anos setenta, o pensamento demorava a fim de se sustentar. Nana conta sobre a sua vida. Cantava clássicos aos dois anos, um dos exemplos. “Voz bacana, rouca, legal”, diz-se sobre a anfitriã. A narrativa deixa acontecer. Fornece voz ao povo simples. As imagens captam bastidores, entrevistas em carro, a família Caymmi cantarolando. Mas permite estereótipos sem julgamentos. “Aqui é Rocinha, é área de risco”, diz sem a preocupação de estar sendo preconceituosa. E complementa “O Rio tá todo remendado. Sou do Grajaú, zona de risco, faixa de gaza”.
Percebemos que o medo da artista é generalizado. O Estado todo lhe causa medo. O filme comporta-se como um bate-papo informal. “Pode ser, tempo é como jogar conversa fora”, ela diz. As conversas incluem o mar e a música que a lançou ao estrelado “Saveiros”, ganhando o Festival da Canção ao lado de Gilberto Gil, seu marido na época. “Ficando velho, a gente vai ficando mais chato”, Dori diz. “Saudade de Amar é uma letra perturbadora de Dori”, ela diz. São bates e rebates recheados com carinho, afeição, respeito e admiração. “Gente, eu me adoro cantando”, Nana diz rindo. É um projeto filme pessoal e contemplativo.
Ela diz o que pensa com verdade e com sarcasmo sutil, sem querer ofender. É perspicaz e engraçada. Ficaria horas ouvindo o que Nana tem a dizer. É intimista e capta a atenção total do espectador. “Ela não precisa cortejar outro estilo de música”, diz seu ex-marido. “Não sou rotulada. Canto o que gosto e quero ter a liberdade para fazer isso”, ela diz. Talvez o que sai de sua boca pode soar altivo. Para defende-la cito Umberto Eco que diz: “Se você tem conhecimento sobre o que fala, então demonstre isso”. No rol de depoentes tem Milton Nascimento, Tom Jobim, João Donato, Mart´nália. A camera mostra o cotidiano, o dia-a-dia.
“Na Nana, vejo a verdade cruel sem dúvida. Que vive intensamente como Billie Holiday”, disse Erasmo Carlos. Em outra cena, a protagonista participa do show “Brasileirinho” de Maria Bethânia, com Miúcha. O papo segue e como não podia deixar de mencionar, o pai Dorival Caymmi é citado e aparece numa festa familiar. “Eu canto porque pra muita gente eu dou força”, finaliza com uma frase de efeito, esperada e necessária neste caso. Concluindo, um documentário que faz querer comprar a discografia completa de Nana. Vale muito a pena assistir. Recomendo.
Nasceu na França, em 1962. Em 1970, mudou-se para a Suíça, onde estudou Engenharia Elétrica, formando-se em 1988. Paralelamente, dedicou-se à sua paixão por piano e musicologia. Em 1985, começou a trabalhar para o selo Naxos, onde dirigiu diversos filmes sobre compositores e cantores clássicos europeus. Em 2005, realizou Maria Bethânia, Música É Perfume, vencedor do Prêmio Especial Cubadisco no Festival de Havana.