Curta Paranagua 2024

Retomada

Luta contra a boiada

Por Vitor Velloso

Durante o Festival É Tudo Verdade 2024

Retomada

Nos últimos anos, felizmente, houve um aumento no número de documentários que procuram tratar da realidade dos povos originários no Brasil, encontrando formas de debater e expor a grilagem, as diferentes políticas públicas que procuram proteger ou atacar os indígenas (a depender do governo vigente). “Retomada”, dirigido por Ricardo Martensen, não é tão diferente dos demais projetos, mas procura tomar um caminho menos diretamente politizado, para trabalhar a política de forma quase prosaica e expositiva, através de uma estratégia particularmente simples: enquadrar a cultura de seus personagens como um registro do cotidiano e como essa cultura se transforma em instrumento de resistência e combate no Brasil contemporâneo. 

Nesse sentido, o filme não parece criar um grande esforço para encontrar uma particularidade para si, mas sim de reforçar a identidade e cultura dos grupos étnicos ali representados, suas diferenças, mas acima de tudo seu senso de companheirismo e união para permanecerem em suas regiões, sem que sejam expulsos por agentes que representam interesses de empresários, latifundiários etc. Não por acaso, uma das palavras mais citadas ao longo da projeção pelos personagem é “território”. Um termo que parece ter sido tão banalizado quanto deturpado nos últimos tempos, mas que possui significados tão profundos, especialmente para os povos originários, que não enxerga na terra apenas uma “residência” e sim uma parte intrínseca de sua vida. Assim, “Retomada” faz um esforço para que nos primeiros minutos de projeção o espectador possa ver como a descrição do passado e do presente são diferentes, pela presença destas figuras externas, que procuram transformar a região em grandes plantações de soja. Existe uma constante menção de como no passado os conflitos eram menos frequentes e os recursos eram mais abundantes, de como diferentes etnias se reuniam para celebrar a caça. Contrastando com o presente, onde tudo se tornou mais escasso e os perigos parecem se aproximar todos os dias, o documentário reúne tanto os registros desses depoimentos, quanto alguns materiais de arquivo mais antigos, que demonstram inclusive uma mudança na paisagem local, oferecendo ao espectador um vislumbre dessas mudanças de forma prática. 

Contudo, há alguns dispositivos de linguagem utilizados em “Retomada” que parecem mais deslocados de sua construção, desde algumas tomadas aéreas que soam fora de lugar pela estruturação proposta pela montagem (mas poderiam perfeitamente caber em outro momento do filme) até uma estratégia quase fragmentada de demonstrar a luta política dos indígenas e seu cotidiano, que parece separar seus personagens em diversos momentos. Ao mesmo tempo, essa decisão reforça a particularidade das etnias, as individualidades, desejos próprios e retira uma construção midiática de um corpo único e orgânico. O curioso dessa característica da montagem, que desloca algumas imagens e as transforma menos funcionais, é que o documentário demonstra habilidade em conduzir o espectador por um quadro amplo e contextualizado dessa realidade, especialmente quando insere o discurso do Senador Zequinha Marinho, do PL/Pará, que zomba dos indígenas, caçoa de sua identidade e afirma que ele próprio poderia ser um indígena se quisesse(esse mesmo sujeito está tentando aprovar uma lei que autoriza o garimpo em áreas destinadas para pesquisa de extração de minerais). Por conta dessa construção, o filme consegue trabalhar com o retrato da oposição de realidades, já que na cena seguinte um indígena diz que branco é branco, mas quando um indígena diz que é indígena, ele precisa provar sua “autenticidade”. 

Dentro de acertos e deslizes, “Retomada” é eficiente no desenvolvimento do retrato das culturas e particularidades de seus personagens, mas parece não se encontrar na organização de suas ideias, perdendo o foco de seus registros e criando uma sensação de não possuir um objetivo específico, sendo mais uma abertura de debate. Essa inconstância impede que ele possa se destacar dentro da produção audiovisual recente sobre a realidade dos povos indígenas, mas sem dúvida é um projeto que possui um grande interesse no registro dos costumes e respeito pelas diferenças, sem abordar apenas um lado político, compreendendo a humanidade e a história que devem ser preservadas. 

3 Nota do Crítico 5 1

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