Red Rocket
Um filme que busca a vibe hollywoodiana no Texas de Trump
Por Fabricio Duque
Festival de Cannes 2021
Exibido no período ainda crítico da volta pós-pandemia do Covid-19 no Festival de Cannes 2021, “Red Rocket” talvez seja a obra com mais distopia do cineasta norteamericano Sean Baker, visto que seu filme aborda uma América decadente, falida, hostil, sem esperança e sem futuro, mas com uma latente ilusão, com os pés na desistência versus resiliência de que o lugar que vivem ainda é a “terra das oportunidades” e que ainda alguma coisa dará certo. E essa narrativa ficcional, ambientada na cidade do Texas (numa mise-en-scène de “terra sem lei”), é atravessada por discursos de Donald Trump na televisão, enquanto seu povo “não perfeito, mas excepcional” (assim disse certa vez Hillary Clinton em uma de suas entrevistas) traça artimanhas e cava salvações para sobreviver, sempre no limite burocrático das repartições públicas e na recolocação no mercado de trabalho de um ator de filmes adultos, que por sua vez encontra preconceito, hipocrisia e um moralismo conservador a fim de preservar os valores tradicionais da família. E ao som de ‘N Sync e Puddle of Mudd. Sim, Sean Baker consegue levantar todas essas questões em “Red Rocket”, que está disponível na plataforma de streaming Netflix. O longa-metragem, ainda que não direcione o espectador se tudo é uma crítica social ou um pró-direita a “fazer a América grande de novo”, corrobora também suas características típicas e sua forma narrativa em conduzir o público.
Em “Red Rocket”, Sean Baker muda o protagonismo para o masculino, que possui o nome de Mikey (interpretado pelo ator Simon Rex – e curiosamente o mesmo nome da atriz protagonista de “Anora“). Como de costume, a obra inicia-se por um tom mais encenado e teatral, quase artificial, inclusive por ângulos não convencionais, para em minutos mergulhar como um foguete às camadas mais aprofundadas das necessidades de se sobreviver em uma contemporaneidade dominada pela apatia social em comportamentos individualizados e de egoísmo defensivo, potencializando assim a máxima darwiniana de que só os fortes continuam no caminho. Sim, “Red Rocket” é uma selva no meio de seres humanos adulados com instintos animalescos, sempre no limite da ação, sem respiro e captados por close de uma câmera que quer ser parte da história, talvez assim para construir uma melhor identificação de nosso cotidiano coloquial e iminente à destruição. Este é um filme sobre recomeçar em seus submundos permitidos. Sobre redenção de vidas desiguais (e instáveis emocionalmente – que primeiro gritam, depois abaixam a guarda e sentem a vulnerabilidade) e à margem de uma sociedade capitalista pautada na importância do dinheiro, e que de vez em quando encontram “a vibe hollywoodiana”.
Contudo, ainda que “Red Rocket” traga a força dramática do realismo, muito talvez pela fotografia saturada ao brilho película 35mm, que aumenta o tom naturalista caseiro e mais orgânico, como por exemplo, a rotina de se assistir a um programa favorito de televisão, atravessada pela estética visual da luz do sol e do reflexo do espelho, enquanto nossa personagem principal, sem pudores, coloca uma sunga na cozinha, atrelada às dificuldades de se recompor, temos a impressão de que aqui falta um maior desprendimento narrativo. Parece que toda a história está engessada à encenação realista e principalmente pela questão dos excessos dos alívios cômicos, não especificamente das piadas, mas de uma tentativa de incorporar o tom constrangedor como essência e inerência, como correr pelado pela rua, como o papel do baseado de maconha ser a bandeira dos Estados Unidos, como o viagra, como a paquera a uma menor-estudante “garota travessa moranguinho” de dezessete anos, como as conversas com a filha da “chefe do trabalho”, como a cena “gastadora” das rosquinhas, como o desenvolvimento das reviravoltas, muito em especial a da parte final, forçadas e facilitadas pelo roteiro. Sim, “Red Rocket”, ao tentar abordar todas as dúvidas existencialmente sociais da protagonista (e parece mesmo que ninguém ali liga para nada), parece soar mais como uma urgência do diretor em se livrar logo deste projeto.
Mas nós também em hipótese alguma podemos tirar o mérito do filme (a começar por essa naturalidade da luz do pôr do sol sumindo e/ou a cor laranja mais forte no rosto de Trump na televisão, como já disse e expliquei anteriormente), tampouco sua sucessão de maestrias sensoriais desse ator que é “super qualificado” para o trabalho por ter feito “dois mil filmes” e ter ganho vários Oscars versão pornô. “Red Rocket”, que acontece no tempo de espera das ações, é acima de tudo um estudo de caso (por uma crônica intimista) não maniqueísta sobre a ilegalidade dos sobreviventes em uma América em “fim de carreira”, por elipses muito próximas e pela tentativa de se quebrar (e normalizar) a moralidade, hipócrita nas famílias estadunidenses que preferem dinheiro e aparência à conteúdo e relações mais verdadeiras.