Rainhas do Crime
Um irônico empoderamento feminino
Por Pedro Guedes
Durante os primeiros segundos de “Rainhas do Crime”, quando as logomarcas das empresas responsáveis pelo longa surgiram estilizadas em neon vermelho, senti que poderia estar diante de uma intrigante viagem de volta à atmosfera dos filmes de crime dos anos 1970 (algo que os irmãos Safdie fizeram muitíssimo bem em “Bom Comportamento”, por exemplo). Infelizmente, conforme a projeção foi avançando, percebi que o projeto nada mais era do que uma combinação de “Oito Mulheres e um Segredo”, “As Viúvas” e overdose de Rivotril, desperdiçando qualquer potencial que pudesse haver em sua premissa e revelando-se terrivelmente monótono, sem personalidade e aborrecido na maior parte do tempo.
Inspirado na graphic novel “The Kitchen“, criada por Ollie Masters e Ming Doyle, o filme se passa em 1978 e começa nos apresentando a três homens que moram no bairro de Hell’s Kitchen e que estão envolvidos diretamente com a máfia nova-iorquina. Depois que o trio é preso pelo FBI, suas esposas decidem mergulhar de cabeça em um esquema criminoso que logo passa a gerar muito dinheiro para elas e que tende a colocá-las no meio de uma encruzilhada de mafiosos. A partir daí, no entanto, a trama perde completamente o rumo e vai se enrolando a ponto de fazer cada vez menos e menos sentido. Não, minto: ela até faz algum sentido; apenas não consegue manter o espectador interessado em acompanhá-la.
Jamais conseguindo encontrar um tom constante para a narrativa, a diretora/roteirista Andrea Berloff (que também escreveu “As Torres Gêmeas”, de 2006) revela-se incapaz de definir a abordagem que adotará ao contar a história: em uns momentos, o longa investe em momentos bem humorados (que falham em provocar o riso, diga-se de passagem); em outros, se concentra em situações pesadíssimas e que só fariam sentido se pertencessem a um projeto que as levasse totalmente a sério (e confesso que fiquei incomodado em todas as sequências que mostram a personagem de Elisabeth Moss apanhando do marido, como se o filme em si enfocasse a violência doméstica de maneira sensacionalista). Além disso, Berloff e o montador Christopher Tellefsen usam e abusam de saltos no eixo e de cortes rápidos em cenas que exigiam um ritmo menos acelerando, fazendo a obra soar bagunçada em termos de decupagem (pensem em “Bohemian Rhapsody” ou “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal“).
Não que o filme não faça um bom trabalho ao recriar a década de 1970: o designr de produção Shane Valentino e a figurinista Sarah Edwards se saem bem ao resgatar as roupas, os itens cênicos, os veículos e o estilo presente em paredes e prédios daquele período, fazendo jus à estética setentista. Por outro lado, as canções escolhidas para enfeitar a história surgem de maneira óbvia e aleatória no meio de sequências que não dependiam de trilha musical alguma (neste sentido, o longa remete a outro projeto da DC, só que da pior forma possível: “Esquadrão Suicida”, que também enfiava quinhentas músicas de uma vez só sem nunca justificar a presença delas). Como se não bastasse, a montagem de Tellefsen (junto, claro, à direção de Berloff) falha em conferir ritmo e/ou dinamismo à narrativa, transformando o filme em um tédio absoluto.
O que resta, no fim das contas, é o esforço do elenco – que, infelizmente, nem sempre consegue contornar a mediocridade do roteiro e da direção: Melissa McCarthy não tem muito o que fazer com sua personagem, limitando-se a demonstrar preocupação por seus filhos, nojo diante de algumas situações grotescas e necessidade de prosseguir com seus planos mesmo que a disposição já tenha ido embora; Tiffany Haddish… bem, está no filme (e isso é o máximo que posso dizer sobre sua personagem, que mal conta com uma personagem e que ganha pouquíssimos momentos de destaque); e Elisabeth Moss encarna aquela que, das três protagonistas, é de longe a mais interessante, exibindo vigor, um pouco de sadismo e uma importante vontade de se impôr em relação aos problemas de sua vida (e é uma pena que o roteiro desperdice a personagem a partir de determinado momento).
Aliás, para um filme que se diz comprometido com o empoderamento feminino, é irônico – e triste – que as protagonistas de “Rainhas do Crime” quase sempre surjam em situações complicadíssimas e que só serão resolvidas quando algum homem chegar para salvá-las. E, se levarmos em consideração que a graphic novel que inspirou este filme foi publicada pelo selo Vertigo, da DC Comics, podemos concluir que a Warner Bros. fracassou em mais uma tentativa de adaptar alguma propriedade intelectual da editora para o Cinema.