Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo
São Paulo e o desenvolvimento
Por Vitor Velloso
Mostra de São Paulo 2022
“Na FEBEM, lembranças dolorosas, então
Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim
Muitos morreram sim, sonhando alto assim
Me digam quem é feliz
Quem não se desespera vendo
Nascer seu filho no berço da miséria
Um lugar onde só tinham como atração
O bar, e o candomblé pra se tomar a benção
Esse é o palco da história que por mim será contada
Um homem na estrada” – Homem na estrada, Racionais MC’s
Se Gunder Frank afirma que a única coisa que se desenvolve nos países subdesenvolvidos é o próprio subdesenvolvimento, São Paulo é uma representação particular dessa condição. Está certo que aqui há uma exemplificação relativamente categórica de uma proposição teórica mais complexa, contudo, não é difícil intuir que a periferização, urbana, social e econômica, permite um fenômeno social como Racionais de existir. Seja como retrato de um movimento, contexto, ou documentário sobre um dos grupos musicais mais influentes do país nos últimos trinta anos, “Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo”, possui uma sólida construção de como Ice Blue, KL Jay, Mano Brown e Edi Rock se tornaram figuras que estão no debate público brasileiro.
Não apenas pelas letras das músicas, mas pela atitude diante da opressão policial, do descaso do Estado, das inúmeras experiências de racismo e demonstração de todas as injustiças sociais sofridas. Desta forma, uma pessoa como Silvio Almeida, advogado e professor, pode afirmar que só chegou onde chegou por conta dos Racionais.
Essa importância social é compreendida no documentário dirigido por Juliana Vicente, através de uma montagem que reúne uma grande quantidade de materiais de arquivo, com shows, depoimentos, entrevistas, que possuem a intenção de reconstruir parte do contexto da formação do grupo e demonstrar seu crescimento, tanto musicalmente, quanto socialmente. As capas de discos, colagens e o ritmo das imagens cadenciados a partir do álbum em questão, demonstram a preocupação do filme em conseguir tratar a carreira dos Racionais, para além dos marcos históricos, como homem na estrada, por exemplo. Desta forma, o longa consegue criar uma estrutura onde tanto a carreira musical, quanto à construção histórica do grupo podem ser trabalhadas. Além disso, a forma como é feita a ligação entre os tempos iniciais e o momento atual é particularmente efetiva, pois procura não apenas questões simbólicas no campo cultural e político, como retrata isso a partir de uma fala específica de Mano Brown: “Aí entrou o mundo moderno”.
Tal fala precede as imagens de Lula, Penta e diversos acontecimentos do início do século atual. Por essa razão, “Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo” não se contenta em escutar seus atores sociais, mas procura explicitar imageticamente, a partir das imagens de arquivo, parte desses discursos. Esse exercício permite contextualizar os fatos narrados e elucidar que parte dos “erros e acertos” citados pelo grupo, possam ser compreendidos a partir das figuras que estavam na situação política. Assim, o espectador acompanha essa ligação direta entre o passado e o futuro sem que haja um exercício didático textual exposto na tela, recurso relativamente comum no documentário contemporâneo.
Apesar disso, a razão do título, traduzida literalmente nos integrantes mostrando os lugares que viajaram desde o início até hoje, não convence tanto, pois são breves passagens que possuem a intenção de reforçar que o caráter regional, seja de São Paulo ou Capão Redondo, foi ultrapassado, nos limites físicos. Mas isso é apenas uma nota diante dos acertos.
Curiosamente, o Rap é uma manifestação cultural que é importada, mas cresce a partir da situação histórica material de onde se manifesta, ou seja, tanto a forma como o conteúdo, está diretamente ligada à condição de São Paulo e seus integrantes. Neste caso, a denúncia da realidade social presente nas letras dos Racionais, reforçadas por passagens de grande impacto pelo documentário, referem-se mais à materialidade em si que às individualidades dos integrantes.
Por fim, “Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo”, na Netflix, é um importante documentário para compreensão da trajetória dos Racionais e da cultura do hip-hop, sem os comentários superficiais que rotulam tal manifestação como meras aparições de um imperialismo cultural. Existe um debate possível, mas não há como negar a importância disso para inúmeras vidas nesses múltiplos brasis.
“Nego drama
Entre o sucesso e a lama
Dinheiro, problemas, invejas, luxo, fama
Nego drama
Cabelo crespo e a pele escura
A ferida, a chaga, à procura da cura
Nego drama
Tenta ver e não vê nada
A não ser uma estrela
Longe, meio ofuscada
Sente o drama
O preço, a cobrança
No amor, no ódio, a insana vingança” – Nego Drama, Racionais MC’s.
3 Comentários para "Racionais: Das Ruas de São Paulo Pro Mundo"
Esse documentário foi para 👑 mais uma vez esse grupo de rap que por vários bairros e cidades e Estados brasileiro deixou a sua mensagem positivo eu sou fã e tenho tatuado no corpo com orgulho de ser racionais Mc’s até o final
Aprendi amar aquilo que me ama o tanto quanto aprecio a cultura que me representa. Mas o Racionais MC’S que eu amei ao conhecer, trazia consigo a inocência da realidade lá no início de suas carreiras. Tal as vozes e atitudes que vestiam a minha alma. O Manos, nem tão meus brothers assim, neste documentário, apesar de muito bacana, traz uma nescessidade de auto-afirmação através do marketing, como tentativa comercial de uma marca, querendo resistir ao tempo que sempre traz algo novo.
Assisti o filme documentário dos Racionais 3x.
Achei fantástico. Morei na periferia e me vi muito lá.