Quem Fomos
O Planeta e seus centros
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de SP 2021
Em tom apocalíptico, “Quem Fomos”, reforça a importância de se combater a catástrofe ambiental provocada pela humanidade e a necessidade de uma política internacional para o futuro do planeta. O discurso não é novo, a linguagem muito menos, mas o que faz com que o documentário de Marc Bauder seja relativamente curioso, é que sua fórmula televisiva espetaculosa, que procura a grandeza em cada plano da natureza e procura mostrar o quão somos insignificantes, está aliada à denúncia geral de como estamos destruindo toda essa beleza. Ou seja, por quase duas horas o espectador assiste aos cientistas falando sobre a necessidade de estudarmos não apenas o espaço, mas também o Oceano, lutar contra a poluição, unir forças internacionais e líderes mundiais, sem que haja a resolução propriamente dita.
Veja bem, as soluções apresentadas sempre envolvem as resoluções diplomáticas entre os países capitalistas centrais e os periféricos, sem tocar na estrutura econômica dessas relações, nos contextos individuais de cada país etc. Não por acaso, um dos entrevistados procura blindar-se de possíveis críticas ao seu cosmopolitismo, argumentando que é necessário encontrar um meio termo entre essa internacionalização brutal e a identidade nacional. Todos repudiam o nacionalismo. E isso é parte fundamental da estrutura formal de “Quem Fomos” que credita a montagem à organização dos diversos materiais coletados em diversas línguas. O problema é que quanto mais saltamos de um lado para o outro, procurando entender as áreas de pesquisa e atuação dos entrevistados, mais fica claro que o filme não consegue se estruturar para criar uma ordem lógica para os próprios depoimentos, pelo contrário, muitas vezes essa ligação é feita de forma arbitrária, com frases soltas, completamente retiradas de contexto, para entendermos que essa formação científica contra a destruição do Planeta Terra está ocorrendo de maneira fragmentada.
Nessa mão, o longa até funciona quando procura unir os discursos para criar essa percepção dos deslocamentos, mas sempre retorna aos mesmos personagens na intenção de defender algo que nunca se concretiza na tela. O maior imbróglio enfrentado por “Quem Fomos” é sua grande incapacidade de responder as perguntas que faz durante a projeção, levando à essa idealização da grandiosidade, da natureza, do Planeta Terra e criando um paralelismo acentuado quanto às problemáticas que propõe na primeira metade, especialmente em uma narração off que descreve os pormenores da destruição da Terra. O resultado não poderia ser diferente, o documentário vai se perdendo nas investidas de descentralização e a segunda metade é uma bagunça total. Recolhendo depoimentos que procuram uma perspectiva menos “globalizada” para as questões, mas explicitamente o movimento surge para cumprir uma lacuna na representação cultural da multiplicidade de povos que é citada constantemente. Nem mesmo as pautas energéticas tomam grande tempo aqui. Como boa parte do tempo estamos acompanhando os europeus em sua jornada de simpósios, palestras e debates, Marc Bauder se inclina brevemente para tentar sair um pouco do eixo dos países capitalistas centrais. E por mais que pudesse ter um resultado interessante ao fazer isso, à exemplo dos filmes de Herzog, como “Fireball: Mitos, Cometas e Meteoros”, o recurso torna-se inócuo pela falta de proposição do debate. Vira uma grande curiosidade para o espectador, uma espécie de glossário exótico das diferentes maneiras de preservar o Planeta e manter a identidade nacional.
E essa contrapartida é uma tentativa de justificar esses problemas anteriores, onde por mais que mostrem essa defesa da identidade nas Universidades, centros científicos e religiosos, “Quem Fomos” explicitamente faz esse movimento para contrapor os argumentos utilizados contra parte dos discursos internacionalistas, mas nega veementemente qualquer ação em nível nacional que não possua contrapartida internacional. Esse esforço de fragmentação não é capaz de segurar as pontas de um projeto que está mais interessado nas suas imagens do que nos discursos que ajudam a compor a obra, gerando esse vácuo extenso e pouco produtivo.