Primeiras percepções do Festival de Cinema de Berlim 2024
Uma apresentação do que está começando a acontecer na Berlinale, direto da capital da Alemanha
Por Fabricio Duque
Parece lógico, mas sempre é bom reforçar que a edição de um novo ano de todo e qualquer festival de cinema é completamente diferente, visto a quantidade de interferências do mundo externo. Este ano, por exemplo, o Festival de Cinema de Berlim, a Berlinale, como é chamado na língua alemã, está atípico, a começar pelo clima. A temperatura aqui hoje, para se ter uma noção, está 15 graus. Praticamente um dia de quase verão, se não fosse pelo vento. Berlim é uma cidade aberta. Tirando isso, a edição 74 segue à risca a organização de seus anos anteriores e a rotina de quem está fazendo a cobertura jornalística também. Como funciona? Além da credencial de imprensa, é também necessário que todo dia, às 07:30 (horário daqui) se tire os ingressos de acesso aos filmes no site plataforma do próprio festival, que, diferentemente do Festival de Cannes, funciona perfeitamente sem travamentos e bugs.
Outra questão também do Festival de Cinema de Berlim é o embargo dos filmes que estão sendo exibidos. Alguns deles, como o de abertura, por exemplo, só puderam ter algum comentário e/ou opinião e/ou a crítica e/ou até mesmo algum indicativo de que se gostou não. Sim, é preciso respeitar, porque se não uma das consequências é a perda da credencial no próximo ano. Não queremos isso, não é mesmo? A Berlinale defende seu argumento de que todos esses procedimentos e regras são para proteger as obras dos bombardeios negativos e positivos da imprensa, para que assim o público possa assistir ao filme já não influenciado. Outro ponto a ser reiterado de nossa matéria especial Tudo Sobre o Festival de Berlim 2024 é que toda a atmosfera daqui é de uma cinefilia orgânica, de um amor genuíno presente na experiência do assistir antes de todo mundo. Mesmo em uma sessão lotada, ninguém fala. Ninguém liga o celular. Ninguém come pipoca de forma “histérica”. Na verdade, não há pipoca para vender. É por isso que este festival é o meu favorito. Sim, pois e, não poderia falar isso, não é? Preciso ser diplomático?
O Festival de Cinema de Berlim é também um dos mais politizados. Traz inclusive posicionamentos polêmicos e controversos, como ser pró-Israel. E/ou por desconvidar pessoas por discursos contrários. Tanto que na cerimônia de abertura, protestantes e convidados no tapete vermelho fizeram barulho da Potsdamer Platz até o Palácio dos Festivais Berlinale Palast. 50 membros da indústria do cinema em coro defendiam a democracia, entre eles Wim Wenders, Fatih Akin e Thierry Fremaux, sobre a retirada de convites de políticos. Muitos cineastas cancelaram suas participações por não compactuarem sobre a Berlinale se assumir contra a Palestina e a guerra em Gaza.
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Dessa forma, todo ano é apresentado um documento estatístico de transparência de gênero. Em 2024, o festival recebeu 8035 filmes inscritos e selecionou 239 no total, incluindo 191 das mostras tradicionais, excluindo retrospectivas, filmes restaurados e instalações. Desses 191 filmes, 214 pessoas são: 83 realizadoras mulheres (39%); 122 realizadores homens (54%); 5 diretores não binários (4%); e 4 diretores que preferem não dizer (2%). Da Competição Oficial ao Urso de Ouro, dos 20 filmes, 6 são mulheres (27%) e 16 são homens (73%).
Até agora, no momento desta matéria, um dia após o Festival de Berlim ter iniciado seus trabalhos, já assisti a 6 filmes. E o único que posso comentar, por conta do embargo, é o de abertura, “Small Things Like These”. Os outros, apenas listo minha programação que seguiu com o romeno “Săptămâna Mare (Holy Week)”, de Andrei Cohn (Mostra Forum); “Turn in the Wound”, de Abel Ferrara (Berlinale Special); “La Cocina”, do mexicano Alonso Ruizpalacios (Competição); “Keyke mahboobe man (Mu Favourite Cake”, de Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, do Irã (Competição); e “A Different Man”, do norteamericano Aaron Schimberg (Competição).
É, parece que a tradição da Berlinale de escolher o longa-metragem de seu início continua caminhando pela estrutura padronizada, com seus gatilhos comuns narrativos; roteiro facilitado e de degustação palatável; manipulação exagerada do sentimentalismo e calcada na necessidade obrigatória do final feliz. E mesmo que digam que não se parece tanto com Hollywood por incluir tempos mais “contemplativos”, ainda assim é explícito esses clichês: uma lágrima só escorrendo pelo rosto sem emoção, câmera lenta, metáforas básicas para sinalizar a memória sôfrega do passado. Integrante da mostra competitiva ao Urso de Ouro do Festival de Cinema de Berlim 2024, e também o escolhido como o filme de abertura, “Small Things Like These”, do realizador belga Tim Mielants, busca ser um filme, intencionalmente de ficção mais romanceada, de denúncia sobre uma “ferida aberta” (mas pouco conhecida) de um acontecimento do passado recente, que perdurou ate 1996, em que pais abandonavam suas filhas grávidas em conventos. Lá elas eram colocadas para trabalhar, a nível de escravidão, e seus bebês vendidos a famílias ricas. O filme, baseado no livro homônimo de Claire Keegan, que escreveu em 2021 (e em 2022 ganhou o Prêmio Orwell de Ficção Política), imprime um tom mais superficial e mais de conceito cênico em seu roteiro ao retratar um desses casos. Na coletiva de imprensa, o diretor disse que seu é sobre “diferentes formas de luto”. Aguarde a crítica em produção!
Ontem também conversei com o realizador Marcelo Botta, do filme brasileiro “Betânia”, que integra a seleção da Mostra Panorama do Festival de Berlim. Também já assisti ao filme, mas o embargo vai até o dia 18/02 à noite! E a entrevista completa também poderá ser conferida no mesmo dia!
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