Divertidinho e passável
Por Pedro Guedes
Cinema e videogame são dois conceitos similares por um lado (afinal, são linguagens audiovisuais), mas que se tornam totalmente distintas graças a um fator determinante: o fato de que, ao contrário da Sétima Arte (onde o espectador apenas assiste ao filme), os jogos permitem que o consumidor interaja com a narrativa, concedendo ao jogador a oportunidade de controlar os personagens e, em alguns casos, até mesmo o desenrolar da trama. É por isso que praticamente todas as tentativas de levar um game para o Cinema falharam em seus esforços, pois transformar o jogador em espectador é uma tarefa complicada – e quando percebemos que a maioria dos filmes adaptados de jogos consiste em desastres como “Super Mario Bros.”, “Street Fighter”, “Assassin’s Creed”, “Warcraft”, “Resident Evil”, “Tomb Raider”, “Doom”, “Need for Speed”, “Max Payne” e “Hitman”, automaticamente concluímos que algo está errado.
Dito isso, “Detetive Pikachu” é provavelmente a melhor adaptação de videogame que o Cinema produziu até então. Ok, este pode não ser o mais apropriado dos elogios – e o filme em si está longe de ser uma obra-prima, porém se sai razoavelmente bem naquele que é seu principal objetivo: divertir o espectador durante uma hora e meia. Não sei se os fãs de longa data de “Pokémon” ficarão satisfeitos com o resultado, já que, confesso, nunca me interessei muito pela franquia, não lembro de ter jogado nenhum dos games, assisti a pouquíssimos episódios da série animada e fui incapaz de detectar qualquer referência (ou easter-egg) que pudesse estar presente aqui, mas acho difícil que alguém fique revoltado com um longa tão… inofensivo.
Baseado no jogo homônimo que a Nintendo distribuiu em 2016 (e que, por sua vez, faz parte do universo de “Pokémon” que Satoshi Tajiri criou nos anos 1980), “Detetive Pikachu” nos apresenta ao jovem Tim Goodman, que, depois de perder seu pai, decide se mudar para Ryme City, uma metrópole onde seres humanos vivem em harmonia com seus pokémon (não, o plural de “pokémon” não é “pokémons” – da mesma forma como “Jedi” e “Sith” não ganham um “s” quando flexionados no plural). Tentando levar uma vida mais pacata e distante de seus traumas passados, Tim é arremessado para fora de sua zona de conforto assim que um Pikachu aparece em seu apartamento dizendo investigar o desaparecimento de seu pai; que, de acordo com o bichinho, está vivo e escondido em algum lugar.
O primeiro elemento que chama a atenção em “Detetive Pikachu” é seu design de produção, que, elaborado por Nigel Phelps, mergulha o espectador em uma realidade absolutamente imaginativa e intrigante: trazendo detalhes tipicamente associados à cultura oriental (afinal, não nos esqueçamos de que “Pokémon” é uma criação japonesa), Ryme City conta com diversos elementos que são habituais em obras futuristas, como superpopulação, luzes de neons e apetrechos ultratecnológicos – e esta aparência high tech é devidamente fortalecida pela fotografia de John Mathieson, que investe em cores vibrantes e contrastantes que parecem sempre dispostas a invadir as locações internas (notem como a escuridão do apartamento de Tim é compensada pelas luzes que vêm de fora da janela). Além disso, a trilha sonora de Henry Jackman faz um ótimo trabalho ao incluir sintetizadores, notas agudas e toques em teclados que enriquecem a mítica daquele universo fictício.
Por outro lado, chega um momento em que “Detetive Pikachu” torna-se incapaz de continuar explorando suas ideias, limitando sua criatividade ao que já havia sido mostrado nos primeiros quarenta minutos de projeção. Desta maneira, a segunda metade do filme revela-se bem menos interessante do que a primeira, já que os heróis passam a concentrar boa parte de suas ações numa floresta e voltando a Ryme City somente no clímax da narrativa. Como se não bastasse, a direção de Rob Letterman (“Monstros vs Alienígenas” e “As Viagens de Gulliver”) não consegue fazer jus à imaginação visual exibida pelo design de produção, compondo um trabalho pouco inspirado em termos de mise-en-scène e falhando ocasionalmente ao “costurar” o ritmo da história (algo que é agravado pela montagem irregular de Mark Sanger e James Thomas).
Mas os problemas de “Detetive Pikachu” não param por aí: escrito por Dan Hernandez, Benji Samit, Derek Connolly e pelo próprio Letterman (quando muitos se envolvem numa única função, o resultado tende a sair prejudicado), o roteiro peca ao desenvolver a trama de maneira muito mais complicada (e enrolada) do que precisava, fazendo o filme se atropelar em reviravoltas desnecessárias, situações que servem basicamente para encher linguiça e momentos pontuais de confusão. O que não significa, porém, que a história não seja absolutamente previsível: quando certo personagem se assume como o real vilão da trama, o impacto da revelação é diluído pelo fato de que o espectador conseguiu antevê-la ainda nos primeiros minutos da narrativa. Para completar, muitas das piadinhas se mostram desesperadas para fazer o público cair na gargalhada, o que acaba tirando parte da graça.
Em compensação, “Detetive Pikachu” funciona graças ao belíssimo trabalho da equipe de animação, que conseguiu a proeza de fazer os pokémon vistos nos jogos e nos desenhos soarem convincentes quando adaptados para o live-action: sem cometerem o erro de tentar simular uma aparência “realista” a partir de algo essencialmente cartunesco, os animadores conseguem conferir uma textura física e tangível aos personagens sem que estes percam sua natureza lúdica e fantasiosa (manifestada principalmente através dos designs, que não teriam a mesma graça se fossem menos caricatos) – e o Pikachu, em especial, surpreende ao contar com uma expressividade notável, porém sem abrir mão de seus traços adoráveis e minimalistas (sim, ele continua fofíssimo).
Lançado na maioria dos cinemas brasileiros em cópias dubladas, deixando as únicas sessões legendadas para o horário da noite (o que é lamentável, pois limita as chances do espectador de apreciar completamente as performances do elenco – entre elas, claro, o trabalho de Ryan Reynolds ao dar voz ao personagem-título), “Detetive Pikachu” é um filme que apresenta certos problemas em sua feitura, mas ainda assim funciona como passatempo divertidinho, inofensivo e simpático.