O Cinema ensinando História
Por Pedro Guedes
Durante o Festival do Rio 2018
Uma das coisas boas que o Cinema – e a Arte de modo geral – tem a oferecer é a capacidade de mostrar para o espectador histórias que talvez não conhecesse se não fosse por intermédio de algum filme. O Massacre de Peterloo, por exemplo, é um marco para o povo da Inglaterra, um dos atos de violência mais graves já registrados na História do país – por outro lado, é possível que muitos nunca tenham ouvido falar no acontecimento. Não é à toa que, ao final da exibição de “Peterloo” no Festival do Rio, ouvi várias pessoas na plateia se dizendo encantadas pelo filme justamente por este tê-las apresentado a uma história que não conheciam.
Dirigido e roteirizado pelo britânico Mike Leight (o mesmo de “Segredos e Mentiras”, “Simplesmente Feliz” e “Sr. Turner”), “Peterloo” está coincidentemente sendo lançado no ano em que o massacre que dá título ao filme completa 200 anos: no dia 16 de agosto de 1819, boa parte da população inglesa tomou a Praça de St. Peter, em Manchester, para exigir que o governo lhe fornecesse reformas e melhores condições de vida. Enquanto protestavam e clamavam por seus direitos, no entanto, os manifestantes foram surpreendidos pela chegada das forças britânicas, que, a mando do próprio governo, não hesitaram em atacar os cidadãos que estavam presentes ali, deixando pelo menos 15 mortos e mais de 700 feridos. A repercussão gerada pelo massacre foi tão pesada que, alguns anos depois, acabou ajudando a passagem da Lei da Reforma pelo Parlamento, trazendo, em 1932, mudanças significativas para o sistema eleitoral inglês.
Sabendo evocar com naturalidade o espírito e a ambientação do século 19, “Peterloo” ganha vida a partir do ótimo design de produção de Suzie Davies (que trabalhou com Leigh em “Sr. Turner” e pelo qual foi indicada ao Oscar), que, aliado aos figurinos de Jacqueline Durran (“Desejo e Reparação” e “A Bela e a Fera”), consegue resgatar a arquitetura típica daquele período, os detalhes que situam o universo diegético em uma época que claramente já passou (os soldados, por exemplo, usam espadas e cavalos) e as cores que, mesmo quando pasteurizadas, ainda criam um contraste entre si, saindo-se bem ao distanciar as vestimentas extravagantes da burguesia e as roupas desgastadas dos mais pobres. Além disso, a fotografia de Dick Pope (colaborador habitual de Leigh) não busca estilizar demais o retrato que Mike Leigh pinta do século 19, aproveitando bem a luz ensolarada do dia e evitando saturar demais as cores que surgem na tela – assim, as imagens que compõem a obra passam a ser mais objetivas, procurando não chamar a atenção para si.
Por outro lado, a direção de Mike Leigh não demonstra muita inventividade em termos de decupagem ou mise-en-scène, apresentando uma abordagem frequentemente composta por proporções pequenas, planos/contraplanos básicos e escolhas visuais que remetem mais à linguagem televisiva do que à do próprio Cinema. Aliás, o trabalho de Leigh revela-se tão calculado e suavizado que acaba não gerando muita impressão no espectador, construindo uma narrativa que, em termos viscerais, demora a atrair o público – e muito disso vem do fato de que boa parte do filme se resume aos personagens entregando-se a diálogos expositivos, resultando em um blábláblá que logo torna-se redundante, aborrecido e, de vez em quando, dispensável. E isto é algo que a montagem de Jon Gregory (“Na Mira do Chefe” e “Três Anúncios para um Crime”) não consegue salvar, deixando no corte final da obra um monte de sequências que poderiam facilmente ter sido descartadas e fazendo o resultado chegar a inchados 134 minutos de duração.
Assim, a impressão que fica é a de que “Peterloo” é mais uma aula de História em forma de filme do que… bem, um filme propriamente dito. E o professor encarregado de dar a tal aula não é dos mais interessantes. Dito isso, o fato é que “Peterloo” ainda assim funciona como um bom retrato de algo que ocorreu no passado da Inglaterra e que, mesmo deixando uma marca permanente para a população daquele país, é importante que seja relembrado para que nós, do presente, nos lembremos de como a violência está desde sempre ajudando a tornar o mundo um lugar pior. Agora, resta esperar para descobrir qual será a história que Mike Leigh contará em seu próximo projeto e que esta seja digna de ser descoberta.