Pelé
Três copas, uma coroa e um silêncio
Por Vitor Velloso
Netflix
A Netflix chega com um lançamento relevante para o público brasileiro, um documentário sobre Edson Arantes do Nascimento, o “Pelé”. Porém, com uma questão que muda completamente a abordagem da obra, a direção é de David Tryhorn e Ben Nicholas.
O filme vai atrás do mito, do homem negro que fez o mundo se curvar, o Rei do futebol, o único a vencer três copas do mundo, mas não compreende a própria materialidade que está por trás dessa trajetória. Como o interesse está focado nessas conquistas, muitas questões totalizantes da história, acabam ficando de lado para que o processo ganhe mais dinamismo, gerando vácuos incômodos durante a projeção do documentário. A transição profissional-seleção é feita em menos de dois minutos e a própria vida do protagonista se torna apenas um pano de fundo para que possamos acompanhar as imagens de arquivo. É onde está grande parte dos méritos do filme, as filmagens restauradas, inéditas, raríssimas, chamam a atenção do espectador. Acompanhamos grande parte de sua trajetória na Seleção Brasileira, em Copas do Mundo, com uma qualidade inegável de imagem.
Contudo, o tom espetaculoso acaba diminuindo grande parte das contradições que tornam a figura “Pelé” um imbróglio para o brasileiro. Se por um lado, temos um imenso orgulho de tudo o que fez pela Seleção Brasileira e pelo futebol, há um debate sobre o que fez pelo Brasil. Uma pauta que gira em torno dos posicionamentos (ou falta de) políticos. Aqui, a direção não-brasileira, compreende pouco os impactos da questão. De um lado, temos o cancelamento dos méritos e da importância que Pelé simboliza. De outro, uma tentativa de apagar a trajetória de um homem negro tão influente. A discussão piora quando colocamos Maradona neste mesmo debate. Porém, o documentário pouco compreende os impactos de suas contradições, assim como a verdadeira dualidade presente na figura, está preocupado exclusivamente na construção desse mito, do Rei.
O compromisso da produção com o ponto político acaba sendo apenas uma citação pequena, a partir de uma comparação com Ali e alguns relatos de jornalistas e admiradores. Gilberto Gil acaba sendo um respiro positivo para a dicotomia e problematiza de maneira menos incisiva, exaltando a importância de um homem negro no lugar em que ele se encontrava. Entre questionamentos e necessidades de um posicionamento, o brasileiro não-reacionário acabou investindo admiração maior por Maradona, o que apesar de ser compreensível, demonstra nossa fragilidade com figuras nacionais e homens negros que forma tão importantes para outras tantas pessoas admiráveis, de Mano Brown a Silvio de Almeida. Pelé deu esperança para muitos e segue como uma das figuras mais influentes do século XX, não apenas na América Latina.
Feita a digressão. O longa acaba se destacando pela quantidade de imagens resgatadas, com restauro notável, onde a montagem tenta uma síntese entre os recortes dos feitos e a grandiloquência de uma história que desaguou no maior nome da História do futebol. O filme até consegue uma construção didática desse mito, puxando brevemente o trauma de 50 e compreendendo o momento para que Pelé brilhasse, mas não consegue fugir das amarras comerciais que vislumbram apenas o mito e a figura em feitos e conquistas. É o problema de uma gigante do streaming abraçar um projeto estrangeiro para exibir no país da dependência.
O questionamento de “Pelé” soa mais uma problematização da eterna questão: pessoa x mito. Sem grande consciência de como trabalhar o elo, o filme acaba indo para o conchavo comercial, para que possa pelo menos ser exibido com êxito na plataforma do imperialismo de por streaming. Como dito anteriormente, acaba conseguindo chamar atenção pela quantidade de arquivo em alta resolução e por um suporte que consegue acompanhar boa parte da trajetória de seu protagonista pela Seleção. O lado torcedor acaba falando alto e o espectador pode vir a se empolgar com determinados trechos, mas os méritos da obra são limitados pela fórmula da indústria.
Com menos impacto que deveria, a obra acaba sendo um ponto fora da curva de um catálogo que pouco chama atenção, talvez se estivesse na Bezos Prime conseguiria alguma notoriedade maior, já que futebol não falta por lá.