As crianças merecem mais
Por Pedro Guedes
Como escrever uma análise crítica de “Patrulha Canina: Super Filhotes”? Para começo de conversa, não me sinto à vontade para tratá-lo como se fosse um filme, já que, ao entrar na sala de exibição, me deparei com três episódios da série homônima que passa no quadro Nick Jr., do canal Nickelodeon, amarrados por uns interlúdios à la “Balão Mágico” e “Bom Dia e Companhia” onde duas crianças interagem com a plateia (presumidamente composta por uma maioria de crianças). Se após a sessão alguém me dissesse que, na hora de projetar o desenho na telona, o projetor apenas sintonizou no canal Nickelodeon (fazendo uma espécie de “gato” dentro do cinema), eu acreditaria – e percebam que, até agora, sequer falei mal do que vi; apenas… não consigo identificá-lo como Cinema.
Mas tentemos falar sobre “Patrulha Canina”, seja lá o que isto signifique. Obviamente voltado para um público notavelmente infantil – estou me referindo àquela faixa etária dos cinco anos de idade para baixo –, a animação parece não entender que crianças recém-chegadas ao mundo não precisam ser tratadas como criaturas desprovidas de inteligência. Em vez estimular os pequenos, o projeto prefere distraí-los com cores fortes, personagens fofos e imagens bonitas (ok, nem tão bonitas), presumindo que a falta de capacidade crítica vai fazê-los engolir qualquer porcaria – e isso abre portas para que o roteiro se entregue a diálogos pavorosos (“Como estou feliz em fazer este passeio no pântano!“, diz uma garotinha que parece não perceber que está no meio de um lugar obviamente perigoso), situações constrangedoras (um prefeito que rouba um observatório???) e piadinhas que, de tão mal construídas e vazias, soam não como piadinhas, mas como frases aleatórias que acabam fazendo os demais personagens rirem. Entenderam? Pois é, nem eu.
Aliás, nenhum personagem conta com o mínimo de personalidade, sendo sintomático, portanto, que o espectador chegue ao fim da projeção (depois de três episódios!) sem lembrar os nomes de cada membro do grupo que dá título ao… “filme”. É tudo tão bobinho que, quando um dos membros da Patrulha Canina resolve dar um nome bizarramente longo e complicado a um cometa, seus colegas imediatamente respondem “Nossa, que ótimo nome!” com admiração e entusiasmo. E quando a projeção chegou ao fim com as duas crianças fazendo um joguinho para testar a memória do público em relação ao que viu nos 50 minutos anteriores (você vai reclamar de spoiler em um troço como este? Ah, faça-me o favor!), confesso que falhei em todas as rodadas, já que o roteiro é tão… inócuo que fiquei incapaz de responder ao questionário.
Como se não bastasse, “Patrulha Canina” ainda é uma animação tecnicamente horrorosa: a cidade que abriga a história (e que se chama “Baía da Aventura”… bem sugestivo, não?) é um imenso nada que conta com uns gramadinhos, umas duas ou três casinhas, uma prefeitura que mais parece um bloco de concreto gigante, uma estátua dourada de galinha no meio… e só. Os personagens, por sua vez, sequer parecem ter sido finalizados, como se a equipe responsável pela animação simplesmente tivesse desistido no meio do processo de modelagem – isso porque não mencionei a movimentação “dura” e a falta de peso em seus corpos. Para piorar, há uma oscilação inexplicável no frame rate: às vezes, a quantidade de quadros por segundo está nos tradicionais 24; de repente, uma queda brusca torna a movimentação mais… “lenta” (em alguns casos, esta mudança ocorre no meio de um plano!).
Quanto aos episódios em si, basta dizer que o primeiro é longo a ponto de se tornar um média-metragem, durando 44 minutos, e conta uma historinha tola que termina exatamente no ponto em que começou, ao passo que o segundo nada mais é do que uma aventurinha inconsequente num pântano. O terceiro e último episódio é, também, o mais divertido – não por ser bom (longe disso), mas por contar uma historinha tão boba que pode acabar rendendo uma conversa sarcástica após a sessão. Aliás, não consigo entender como nenhum habitante daquela cidadezinha pensou em abrir um processo de impeachment para aquele prefeito, já que este é o maior encrenqueiro da narrativa inteira.
Neste sentido, “Patrulha Canina” pode ser descrito como um retrato do Rio de Janeiro atual. Uau! Viram como é possível encontrar interpretações e significados inesperados em qualquer tipo obra?