Pasárgada
Rumos perdidos
Por Vitor Velloso
Festival de Gramado 2024
É sempre interessante quando um ator ou atriz decide se aventurar na direção, pois podemos ver outras faces do artista, suas decisões criativas e traços que muitas vezes são surpreendentes. Dira Paes é uma atriz de talento e carisma inquestionáveis, mas infelizmente sua estreia na direção não consegue transmitir suas qualidades para o filme “Pasárgada”.
A proposta é louvável e procura introduzir uma temática importante para o debate público, o tráfico de aves no Brasil. Contudo, o desenvolvimento aqui é irregular, pois não dá conta de trabalhar o drama da protagonista Irene (Dira Paes), nem de sua ligação com o “trópico” que muitas vezes soa forçada para um campo poético, sem haver um trabalho sólido para algumas cenas de monólogo da personagem. Existem tentativas de trabalhar uma tensão social nessa perspectiva, seja com a desconfiança local, algumas cenas que mencionam o Azulão, perspectivas conflitantes entre Irene e seu contratante, uma apresentação cultural da ligação das pessoas que vivem na região com essas aves, mas tudo parece muito deslocado de sua narrativa central. São segmentos tão fragmentados que a progressão da obra parece sofrer um revés para cada novo conflito apresentado via chamado de vídeo ou tensões com o mateiro da região.
Assim, a partir de trinta minutos de projeção, não há uma apresentação clara de um caminho a ser percorrido pelo filme, que navega sem uma direção explícita e apenas flerta com debates possíveis de serem extraídos da narrativa. Por essa razão, “Pasárgada” soa arrastado, não por ter um desenvolvimento lento, mas por não traduzir a paixão pela temática para a montagem, que lentamente introduz novos elementos para consideração, sem que o espectador tenha uma compreensão desses fatores. Um exemplo disso é quando Irene está desabafando com seu contratante e por conta de uma interferência a ligação é interrompida e a protagonista continua falando sobre seus sentimentos para a câmera, sem existir uma base dramática para que o público entenda a complexidade dessas sensações, tornando a cena relativamente desconfortável. E essa questão permanece no longa de forma integral, ainda que seja possível notar que as intenções passavam por uma construção que visava um lado poético na forma de expor esses desencontros e desconfortos da protagonista.
Não por acaso, “Pasárgada” apela para um desfecho abrupto e sintético, quando assume um caráter “Um Tiro na Noite” (1981), para redirecionar sua tensão para um lado material e direto, onde as consequências da prática do tráfico de aves se apresentam de forma direta. Ainda assim, não parece o suficiente para aglutinar todos os fragmentos apresentados ao longo do filme de forma convincente, mantendo a sensação de uma sequência final apressada, com a intenção de provocar um choque pela realidade que não acontece na prática.
Existem sequências interessantes, especialmente no esforço em apresentar a região através de belas tomadas, seja em razão de contextualização ou de uma demonstração de como Irene se introduz em meio à natureza e aos animais. Nesses momentos, é notável que o projeto é carregado de paixão e sua ambição era promover o debate público, mas a tentativa de trabalhar a partir do drama da personagem, com a condução que é realizada, não funciona na maior parte do tempo e o projeto fica enfraquecido.
“Pasárgada” sofre com sua própria ambição e permanece em um lugar sem direção clara, procurando trabalhar com tantas frentes diferentes de uma poética particular, que não consegue mais desenvolver seu drama e sua paixão. A consequência é um filme pouco inspirado em problemáticas e resoluções, por se apoiar em um roteiro que não oferece muitas saídas que não uma finalização apressada, dramaticamente forçada e que parece ser esvaziada pela falta de complementos para compreensão plena do espectador.