Paris Texas

Um road movie americano pelo olhar alemão de Wim Wenders

Por Clarissa Kuschnir

Festival de Cannes 1984; Festival de Cannes 2024

Paris Texas

Um dos filmes mais emblemáticos e bem mais sucedidos de Wim Wenders completou 40 anos em 2024. Sim, “Paris, Texas”, que para mim está entre os melhores longas do diretor alemão (e isso eu já explico abaixo) chegou a sua maturidade, ganhando agora uma remasterização em 4K, diretamente de seu negativo em 35mm, para que uma nova geração (e os veteranos obviamente) tenham a oportunidade de assistir ou rever a esse clássico road movie nas telas dos cinemas. Mas antes de chegar ao circuito comercial pela 02 Play, o filme teve sua reestreia no Festival de Cannes 2024 (depois de exatos 40 anos de sua Palma de Ouro em 1984), na Mostra Cannes Classics, com a presença do próprio Wim Wenders, que para a nossa felicidade, completou recentemente 80 anos de vida no último dia 14 de agosto (ele também é leonino como eu).  Eu digo felicidade, porque Wenders continua bem ativo: seu último e ótimo longa-metragem “Dias Perfeitos” foi aclamado pelo público e crítica, além de ter sido indicado ao Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro (pelo Japão), que também foi premiado em Cannes na categoria de Melhor Ator, merecidamente, para Koji Yakusho. É, Win Wenders é universal.

Agora retornando a “Paris, Texas”, revi essa obra-prima realizada nos Estados Unidos (depois de alguns anos que assisti em uma sessão no MAM de São Paulo – no final dos anos 90, época em que o museu promovia diversas mostras, de importantes cineastas mundiais). Inclusive, guardo até hoje o folder da mostra Wim Wenders.  Já havia assistido anteriormente também em vídeo, mas não tem melhor lugar como na telona, imersa em uma sala escura. Este é um filme que para mim me deixa fascinada e paralisada do começo ao fim, apesar de suas longas duas horas e meia de projeção. Primeiro pela suas paisagens, enquadramentos e cores deslumbrantes do deserto do Texas, sendo fotografado brilhantemente pelo sempre parceiro Robby Müller (lembrando as paisagens do veterano Jonh Ford) e, segundo, porque o tempo do filme e de seu protagonista andarilho do deserto Travis Henderson (Harry Dean Stanton) é lento e transmite uma melancolia de uma pessoa frágil em busca de respostas que talvez nunca as encontre, apesar das belas paisagens, complementadas pela trilha sonora. O andar sem rumo (ou não) pelo deserto é um dos objetivos desta personagem desaparecida há quatro anos e que pouco fala, além de ter perdido a memória. Fato que remete à curiosidade de um passado tão presente, mas com um Travis envelhecido pela vida. E a gente fica se perguntado: o que leva uma pessoa a andar pelo deserto? Qual é a história de vida deste andarilho? Onde é “Paris, Texas” (que de Paris não tem nada, apenas o nome, mas que é bem explicado no filme)?

É aí que entra a genialidade de um roteiro bem amarrado escrito por Sam Shepard e L. M. Kit Carson, que, consegue através de suas personagens “perdidas”, trazer à tona uma crítica a alienação americana, em relação a sua sociedade. Ou seja, as grandes cidades têm tudo de tudo: grandes construções, vida agitada, tecnologia, mas muitas vezes, bate a solidão. Somos apenas um número, em meio a uma multidão. E isto visto pelos olhos de um diretor estrangeiro. Isso me parece bem atual, em pleno século que vivemos. Mesmo quando encontrado pelo seu irmão, Travis continua de poucas palavras; tenta fugir algumas vezes para voltar a peregrinação pelo deserto, durante o longo percurso em que a dupla percorre durante dois dias em estradas empoeiradas num que de faroeste americano.

Ao chegar em Los Angeles, Travis ainda cria uma resistência, mesmo depois de reencontrar seu filho (interpretado por Hunter Carson, filho do roteirista e ator L. M. Kit Carson), que agora com 7 anos vive com seu irmão e sua cunhada, fruto de seu casamento com a bela e misteriosa Jane, interpretada por Nastassja Kinski. Aliás, a atriz e uma das musas do cinema mundial dos anos 80 é outra presença marcante na trama, aparecendo mais para o final de “Paris, Texas”. Não tem como não se encantar com a presença de Nastassja, uma mulher bem mais nova que seu ex-marido, mas que agora trabalha em um tipo de bordel em que os homens chegam do outro lado do espelho para satisfazer suas fantasias, sem poder tocar nas mulheres. Muitos deles chegam apenas para desabafar, como faz Travis ao se deparar com Jane. E é nessa última parte final do filme que todos desabam e mostram suas fragilidades. E no fim Travis só quer mesmo é resolver o retorno do filho para mãe, mesmo que para isso ele sacrifique seu amor (se é que tem amor ainda) e seu relacionamento com o irmão, que por muito tempo foi pai de seu filho.

5 Nota do Crítico 5 1

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