Mostra Um Curta Por Dia 2025

Para Lota

Retratos fantasmas?

Por Vitor Velloso

Mostra do Filme Livre 2025

Para Lota

Com a monotonia de breves (e arrastadas) imagens do aterro do flamengo, “Para Lota”, de Ricardo Pretti e Bruno Safadi, reúne os pontos mais interessantes dos cineastas e suas características mais erráticas, ou excessivamente herméticas, em um projeto que secciona seu público de maneira tão radical quanto possível, através de uma linguagem circular e proposição histórica restrita. 

Entre textos/cartas de Lota Macedo Soares, na voz de Leandra Leal, e Rachel de Queiroz, na voz de Mariana Ximenes, o espectador compreende não apenas o contexto político e cultural do Rio de Janeiro, por vezes refletindo parte do Brasil, como os traços e observações particulares de cada texto, desde as reflexões acerca de acontecimentos até observações acerca do andamento de obras e da arquitetura da cidade. O problema é que essa estrutura demanda um esforço pouco recompensador do espectador, que é inserido em um universo contextualizado de forma recortada por subjetividades, quando não desinteressante. Claro, as descrições da cidade e de entraves políticos são particularmente interessantes, o problema é que recomendações de livrarias em Nova Iorque e outros destaques tão pouco concretos para a realidade da maioria dos espectadores, junto à exibição ininterrupta e constante do aterro do flamengo faz de “Para Lota” um longa tão excludente quanto sintomático do cinema realizado na zona sul carioca, a necessidade de reforçar o cartão postal mais famoso da cidade, inserido em uma lógica tão repetida que torna-se verdadeiramente desagradável. 

O caráter experimental ou dissonante da cinematografia comercial, que transformou Pretti e Safadi em cineastas relativamente renomados no nicho cinematográfico, reflete a maior barreira de uma obra pouco preocupada com a experiência ou caracterização de seu universo particular textual e pessoal. A manutenção desse status de paisagens cariocas e recortes personalistas através de um prisma funcional, e acomodado, pode até ser parcialmente diluído pela linguagem e constante narração, com breves passagens musicais, mas é minimamente curioso que a lógica apoteótica de encerramento para seu monoteísmo entediante seja recorrer à voz de João Nogueira em “As Forças da Natureza” para procurar uma catarse sintética dessa contextualização enquadrada que o filme propõe. Da mesma forma, a sinopse apresentada (também único texto presente no longa) soa como uma escusa para desenvolvimento de uma “narrativa” de falas acerca de imbróglios, intimidades, afetos, admiração e entraves políticos que pouco refletem o próprio cenário temporal que é projetado através da leitura dos textos. Contudo, diferente de Michel de Montaigne, que faz exercício similar, ainda que mais rebuscado, em sua compilação “Ensaios”, publicada no Brasil pela editora 34, “Para Lota” parece tão obcecado em correspondências diversas, que parece apreciar o próprio exercícios de reimaginação e representação, mais que a própria natureza concreta das revelações e descrições presentes nos textos. Não por acaso, seu caráter hermético não o distingue de outros projetos que se insulam de arbitrariedades ou abstrações corriqueiras, pois não permite que essa materialidade expostas através da leitura seja minimamente transformada em uma reflexão dialética, caracterizando-se como uma arrastada perspectiva egóica, não de suas personagens. 

“Para Lota” torna-se desagradável com o avanço de sua projeção não por não saber encontrar seu objeto em meio aos textos, mas por não reconhecer que está apenas replicando um punhado de padrões estabelecidos por um cinema que deixou de se importar com a estrutura ou com discussões políticas e sociais, para se tornar uma vangloriação anacrônica de retratos fantasmas e aspirações que saturaram e se esvaziaram com o passar dos anos. Assim, dentro de um outro contexto, o filme poderia encontrar uma força menos questionável do ponto de vista estético, e ser referenciada de forma menos burocrática quanto sua estrutura, mas em 2025 se expõe enquanto sintoma de uma cinematografia que se avolumou em festivais de cinema e encontrou um ponto limítrofe de estagnação total. 

É curioso que Safadi e Pretti sejam os diretores de um longa tão engessado e moralmente atravessado pela lógica de representação dominante (através da estrutura) e supostamente repleto de digressão (linguagem), quando no fim parece apenas um espelho de um descontentamento com algo que nunca se materializa na tela. Aliás, ambos cineastas possuem essa característica em seus filmes, uma forma de rebeldia e suposição de debate que parece ir se diluindo pela falta de concretude em suas proposições discursivas e reflexões acerca da estética e da sociedade. 

2 Nota do Crítico 5 1

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