Palace II – Três Quartos com Vista para o Mar
Limitado por suas ambições
Por Pedro Guedes
Na madrugada de 22 de fevereiro de 1998, os moradores da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, foram surpreendidos pelo desabamento de parte do edifício Palace II, que viria a cair por completo na manhã do dia seguinte. Com isso, mais de 170 famílias ficaram desabrigadas e oito pessoas morreram no meio dos escombros, levando a uma série de indagações a respeito do que tinha acontecido de fato.
E as suspeitas indicavam um cenário até meio óbvio: há meses, o Palace II vinha exibindo instabilidades que depunham contra sua estrutura, com ocasiões pontuais nas quais os moradores diziam ter sentido o prédio inteiro tremer e encontrado as vigas deformadas na manhã seguinte – o que, como consequência, fez com que todas as atenções se voltassem para a construtora SERSAN e para seu proprietário, o então deputado Sergio Naya.
Agora, mais de 20 anos depois, a Globo News lança nos cinemas um documentário que tenta explicar a situação do edifício, cuja queda representa uma verdadeira tragédia na História da engenharia civil brasileira. Dirigido por Rafael Machado e Gabriel Corrêa e Castro, este “Palace II: Três Quartos com Vista para o Mar” mergulha em uma série de depoimentos com alguns dos ex-moradores daquele prédio e traz diversas imagens caseiras que circularam na época do acontecimento.
O potencial por trás do projeto é inquestionável, pois o caso do Palace II ainda hoje permanece inexplicado, as vítimas do desabamento nunca receberam a devida indenização e com certeza há um monte de executivos de empresas que precisam ser responsabilizados (e punidos) pelo desastre. Infelizmente, o máximo que este documentário consegue fazer é relembrar o que ocorreu e ressaltar dúvidas que sempre existiram, jamais apontando para uma possível resolução.
Não que “Palace II: Três Quartos com Vista para o Mar” seja um erro total: ainda no começo, quando os ex-moradores do Palace II surgem relatando a vontade que sentiam em viver de frente para a praia, confesso que houve um lado cínico dentro de mim que não hesitou em enxergar aqueles cidadãos como meros burgueses – em compensação, quando chega o momento em que o edifício entra em colapso, me peguei comovido pelo sofrimento das dezenas de famílias que, de uma hora para a outra, se encontravam desamparadas e enlutadas.
Em outras palavras: a queda do Palace II foi uma tragédia que acertou a classe alta em cheio, mostrando que até mesmo os privilegiados que se encontram no topo da pirâmide social podem estar à mercê dos gananciosos – e isso aponta para outro problema que deve ser discutido com urgência: a irresponsabilidade das grandes companhias que deveriam assegurar a manutenção de qualquer tipo de construção. Sim, o desejo de faturar em cima de um produto feito a toque de caixa e entregue sem uma cuidadosa vistoria é algo que põe milhares de pessoas em perigo, sendo importante que uma obra audiovisual denuncie isto.
Por outro lado, as informações apresentadas por “Palace II: Três Quartos com Vista para o Mar” não fazem jus ao potencial argumentativo do projeto. Condensando uma longa pesquisa em pouco menos de uma hora e meia de projeção, o documentário exibe seríssimas limitações que o impedem de chegar a uma conclusão relevante.
Entrevistando um número relativamente pequeno de pessoas, o longa parece se contentar com relatos nos quais as vítimas dizem ter sentido tremores no prédio, se comovem diante da tragédia em si e afirmam que a construtora SERSAN deve ser julgada pelo que aconteceu, jamais indo atrás de documentos comprometedores ou de depoimentos que coloquem os (ir)responsáveis pelo Palace II numa saia justa. Assim, quando a obra chega ao fim e os créditos começam a subir, o espectador percebe que não descobriu praticamente nada com o que viu nos 80 minutos anteriores; todas as informações apresentadas no documentário pertencem ao lugar-comum.
Como se não bastasse, a qualidade técnica de “Palace II: Três Quartos com Vista para o Mar” também não é das mais convincentes, soando mais como uma edição de algum programa da Globo News do que como um documentário robusto feito para ser exibido no cinema. As entrevistas, em especial, são sempre registradas através de uma única câmera e nunca chegam a uma conclusão consistente, despejando informações óbvias que sequer tentam avançar a investigação em cima do que aconteceu ao Palace II.
Para piorar, as imagens de arquivo que surgem no decorrer da projeção representam uma imensa decepção: provavelmente limitados pelo orçamento da produção em si, os registros mostrados pelo filme alternam entre filmagens caseiras e matérias de telejornais, sendo que ambas já haviam circulado aos montes na época do desastre. E, aqui, repito o que falei ao longo do texto inteiro: não há nada neste documentário que já não tenha sido visto antes.
Mas nada em “Palace II: Três Quartos com Vista para o Mar” incomoda tanto quanto a trilha sonora, que se faz presente do primeiro ao último segundo de projeção (não, não há uma pausa sequer) e tenta desesperadamente deixar o espectador angustiado diante do que está sendo mostrado em tela. Ou seja: trata-se de uma musiquinha tão óbvia quanto o documentário no qual está inserida. É uma pena, pois o caso do Palace II merecia uma investigação um pouco mais elaborada.