Ficha Técnica
Direção: Marcelo Pedroso
Roteiro: Marcelo Pedroso
Elenco: Documentário
Produção: Milena Times, Perola Braz
Distribuidora: Vitrine Filmes
Duração: 72 minutos
País: Brasil
Ano: 2010
COTAÇÃO: MUITO BOM
Preâmbulo Explicativo
De uns tempos para cá, o cinema brasileiro imprime a característica de experimentação, funcionando como a mais recente fase da retomada. Chamada de “Novíssimo Cinema Nacional”, busca fugir dos gatilhos comuns pertencentes ao gênero comercial, transformando-se em independente, sendo, na maioria das vezes, realizado por uma única pessoa, que avoca inúmeras funções (direção, roteiro, fotografia, edição, produção, entre algumas).
A opinião
“Pacific”, dirigido pelo cineasta pernambucano Marcelo Pedroso (de “KFZ – 1348”, retratos da vida de pessoas que foram proprietárias de um mesmo fusca encontrado no ferro-velho), vai além, e instaura um novo – e indefinido – gênero cinematográfico, mesclando documentário e amadorismo (proposital), questionando-se sobre o que é realidade, o que é ficção. “A simplicidade é o último grau de sofisticação”, disse Leonardo da Vinci. A frase explica o não querer da utilização de “imagens enfeites”. A premissa ocorre quando o diretor convence os turistas (frequentadores) do cruzeiro homônimo (do título do filme) a fornecer as imagens que foram registradas durante a viagem (pelas 33 filmadoras cedidas à produção).
É daí que surge a genialidade da ideia: retratar a vida deles pelos próprios, ações que geram um estudo antropológico sobre o ser humano – os anseios, as idiossincrasias, o comportamento social (e o privado). São imagens de pessoas comuns, que realizam o sonho projetado (e ilusório) de passar o final de ano do ano de 2009 no arquipélago de Fernando de Noronha, num total de sete dias. Na maioria das vezes, este desejo é parcelado em vezes “a perder de vista” (alguns “sonham” desde fevereiro – “muito tempo antes”). São vencidos por seus desejos consumistas mais latentes. Lá dentro, estes “personagens” adentram no mundo da fantasia e do entretenimento.
Há shows, festas, bebidas liberadas, animadores, danças coreografadas e jantares de gala (com direito a smoking). Tudo sem preço no cardápio. Ninguém sabia que o material filmado seria um filme. O objetivo era capturar a realidade e para isso, o convite só foi feito depois que eles já tinham gravado toda a experiência. O individuo, quando está na frente de uma câmera, deixa de ser natural e cria um personagem que não condiz com o verdadeiro ser.
Para eles, a exposição desperta a transformação do caráter intrínseco, fazendo com as ações (e reações) sejam convincentes ao próximo, que se comporta como um opressor e julgador. Os cinegrafistas “brigam” com as dificuldades técnicas. Aprendem sobre essa tecnologia, porque querem uma imagem de qualidade. Percebemos que eles vêem as novidades, não mais com os olhos, e sim pela lente da câmera. Há a verborragia de colecionar instantes, mas sem a visão profissional de quem filma. Todo o processo da viagem é mecânico e padronizado, como a explicação histórica sobre o lugar. O tom pessoal é o material bruto que Marcelo utilizou a fim de criar a narrativa linear. A pergunta que não quer calar: “Qual foi o trabalho do diretor, se as imagens já vieram prontas?”. Pois é, as imagens vieram prontas e brutas, assim como um diamante que precisa ser lapidado.
Não deve ter sido fácil a edição. Montar horas e horas de momentos “inesquecíveis” (as atividades interativas e ou gravando o sono de alguém) e finalizar com começo, meio e fim. Até o corte que o cinegrafista fez, é conservado, fielmente no resultado final. Uma das cenas que explicitam a necessidade da aparição é quando um turista se filma no espelho. É tão comum e tão costumeiro. A câmera mostra a emoção desmedida de seus participantes, com seus encantamentos, empolgações, picardias, tentativas de fazer humor sem graça, futilidades, exaltações, tédios e cansaços, incluindo a famosa cena do filme “Titanic”. “Aproveite muito! Só temos um dia”, diz-se. A mensagem que se passa, sem a intervenção do diretor, é a de que são cobaias massificadas dentro de uma cultura atual. É um circo social, sendo os freqüentadores manipulados por uma falsa diversão momentânea, saindo assim da realidade nua e crua. Quem está fora da tela, observa as histórias como um big brother. “Eu tenho que aparecer. Tô pagando”, diz-se entre saunas, piscinas e mergulhos de batismo. O que se observa pode ser bobo, cansativo, demorado, engraçado, passional. Pode ser tudo. Mas é o fruto de um documentário cotidiano.
Esses cinegrafistas, leigos, mesmo sem conhecimento cinematográfico, “inventam” e “criam” ângulos diferenciados. “Pode comer, eu já tirei a foto”, finaliza-se. Concluindo, um filme extremamente necessário, que insere antropologia social e urbana dentro de um cruzeiro em alto mar, indicando, por metáforas e filosofias, que o individuo não é uma ilha. Vale muito à pena assistir. Recomendo. Exibido na 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes, de 2010; 29ª Bienal de São Paulo, 2° Semana dos Realizadores (RJ), 11º Indie – Mostra de Cinema Mundial (MG), 5ª Mostra Paulista de Cinema Nordestino e 1º CachoeiraDoc (BA). Melhor Filme do Cine Esquema Novo em 2011 e Melhor Filme do 4º Panorama Coisa de Cinema.
O Diretor
Marcelo Pedroso disse: “Eu nunca estive pessoalmente no navio. Foi uma escolha deliberada mesmo, preferi me manter distante para me relacionar apenas com as imagens e o que elas me traziam. Portanto, quem fez toda a negociação em torno da liberação das imagens foi uma equipe de produtoras que embarcou no Pacific e lidou diretamente com os personagens. Todas as conversas foram muito francas, elas diziam que estávamos fazendo um documentário com imagens dos passageiros e quem topava cedia o material. Acredito que aproximadamente um quarto das pessoas convidadas toparam entrar no filme. E, segundo as produtoras, a adesão era acompanhada por entusiasmo em estar fazendo parte de um documentário”
E continuou: “A partir do momento em que elas soubessem que as imagens seriam usadas num filme, toda a mise-en-scène se construiria em torno do que elas imaginavam que seria adequado ao documentário. E isso eu não queria. Não porque achasse que seria um filme menor – ou menos verdadeiro. Absolutamente. A questão era que me interessava o ato fabulatório espontâneo, a orquestração de signos que irrompe no ato corriqueiro de registrar momentos que lhes são importantes. A seleção desses momentos e as narrativas ligadas ao desejo, à memória, à visibilidade. Quem eu sou é como eu quero ser visto. Então decidi que o convite aos personagens só seria feito depois que eles já tivessem filmado”.
“Ele foi feito com essa inquietação como pano de fundo, de buscar um olhar pra nós mesmo. Mas não sei se irá servir com um documentário etnográfico. Mas, ao mesmo tempo, essas questões são onipresentes nos dias de hoje, em todo o lugar. O que conseguimos foi catalizar esse ‘modo como nos olhamos’ em cima de um mesmo eixo. Se formos no Facebook, as imagens de gente se fotografando e se filmando estão todas aí. “Pacific” espelha isso. E a autoria retrata-se num espaço de indeterminação. A autoria aqui é um olhar sobre o olhar de outro. A escritura se dá de forma quase invisível”, finalizou.
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Nota do Crítico
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