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Os Delinquentes

Um épico sobre onde está a liberdade

Por Fabricio Duque

Festival de Cannes 2023

Os Delinquentes

Exibido na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2023, “Os Delinquentes”, do realizador argentino Rodrigo Moreno (de “El Custodio”, “Mala Época”), que teve sua primeira ideia apresentada em 2015 no Festival de Rotterdam, foi escolhido para representar a Argentina na corrida do Oscar pela categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Com um pouco mais de três horas de duração, o filme traduz-se como um épico da liberdade pela suspensão do tempo em busca da inocência-naturalidade-orgânica perdida (e contaminada pela pressa infundada do grande sistema metropolitano das cidades grandes. Aqui, a história acompanha dois “delinquentes”. Um que teve um plano e o colocou em ação. O outro que entrou de “gaiato”. 

A maestria da narrativa de “Os Delinquentes” está na falta de definição. É tão bom e recompensador quando um filme evoca todas as referências cinematográficas, mas consegue construir um universo particular e único para que os espectadores possam vivenciar, em sinergia, junto de suas personagens. Nós inferimos à estrutura da Nouvelle Vague, especialmente François Truffaut (e seus “Beijos Roubados”) e/ou à cinematografia portuguesa, por exemplo, “O Ornitólogo”, de João Pedro Rodrigues, e/ou à forma argentina de se construir uma realista mise-en-scène. Sim. E/ou. Porque nossa imaginação voa longe. 

“Os Delinquentes” consegue pausar o tempo real da própria narrativa corrida, gerando assim uma sensorial experiência imersiva, que encontra o bucolismo do campo (a essência da liberdade plena, quase de “presente absoluto” – termo este cunhado por João Paulo Cuenca em seu livro “A Última Madrugada”) versus a agressiva e hostil aceleração da cidade grande (o sentimento de aprisionamento, que limita e apaga resquícios de humanidade nos seres viventes como indivíduos sociais). Outra questão bem importante que merece atenção é a de que este longa-metragem não quer “pegar atalhos” na moralidade maniqueísta de nossa sociedade. Ao desenvolver a ação principal da trama pela tom orgânico (e pela decisão impulsiva, imprudente e até mesmo de ingenuidade sistêmica de sua personagem principal), com um que de “Plata Quemada”, película também argentina de Marcelo Piñeyro, o longa-metragem busca justificar os atos pela concordância anárquica de nossas vontades. Quem nunca pensou em se vingar de seu banco? 

Contudo, o filme não quer analisar nada, apenas mostrar crônicas para desencadear em cada espectador a mensagem subjetiva. Com habilidade técnica com o refinamento estético, um dos lemas máximos do cinema argentino, “Os Delinquentes” adentra no chamado cinema-participação, que dialoga, que contempla, que escuta, que ouve, que pensa, que se expressa pelo humor naturalizado e característico, para só assim lapidar suas obras. Não há gritos, histerias, sensibilidades aguçadas, há apenas a mais adulta e perspicaz verdade das reações humanas. Os comportamentos em alguns casos podem soar como arquétipos robóticos e são essas pinçadas que conseguem não só traduzir o que o filme é, mas também aumentar nossa exposição com o mais cruel e doentio sentimentos que trazemos no mais fundo de nossas existências humanas. 

“Os Delinquentes” pode ser sobre o amor, pode ser sobre liberdade, pode ser sobre uma revolta contra o sistema que domina o mundo em que vivemos, pode ser sobre se reconectar com a própria inocência de cada um de nós, pode ser sobre uma crítica ao capitalismo, pode ser sobre a impossibilidade do próprio indivíduo em conseguir se livrar de símbolos e amarras sociais, pode ser sobre a constatação de que o ser humano complicou a própria vida, pode ser sobre a desistência em prol da felicidade desmedida de apenas existir, pode ser sobre se permitir viver ao invés de apenas projetar, pode ser sobre tudo isso, muito mais ou muito menos. 

É por criar tantas possibilidades de idas e vindas em nossas metáforas mais imaginadas que “Os Delinquentes” faz com que em 189 minutos nós possamos recuperar épocas e sentimentos perdidos (“devorados” pelo meio em que estamos), e repensar nossas condições do momento. Que nós possamos questionar nossas liberdades ilusórias e de “migalhas”. Até que ponto podemos ir para encontrar a plenitude de nossa liberdade? Será que temos a coragem suficiente para essa liberdade? Será que estamos preparados para viver essa liberdade? Será que nós já nos acostumamos nossas prisões diárias? Será que somos covardes? Pois é, parece que precisamos escolher entre dois lados incompatíveis: viver em sociedade ou ter liberdade? Contrariando a lei e a moral? Ao desejar confrontar os dois mundos, ”Os Delinquentes” arraiga uma inferente pergunta revolucionária: Qual banco você escolheu para ser livre? Certamente, este acabou de se tornar um dos dez melhores filmes da minha vida. 

5 Nota do Crítico 5 1

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